- Gênero: Drama
- Direção: Mia Hansen-Løve
- Roteiro: Mia Hansen-Løve
- Elenco: Vicky Krieps, Tim Roth, Grace Delrue, Mia Wasikowska, Anders Danielsen Lie
- Duração: 102 minutos
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Se Rimini é o lugar onde peregrinam os fãs de Fellini outro lugar mítico é Farö, na Suécia
“Você acha possível uma mulher criar um trabalho grandioso e cuidar da família ao mesmo tempo?”
A sentença, muito honesta e sem nenhuma motivação que envolvesse polemizar, é proferida pela personagem de Vicky Krieps como um adendo ao fato de que Ingmar Bergman dirigiu 170 peças e 56 filmes, e teve 9 filhos com 5 diferentes mulheres. Ela é Chris, a personagem central da A Ilha de Bergman, filme-hit em Cannes produzido por Rodrigo Teixeira e que estreou na Mostra de SP de 2021, que agora chega aos cinemas.
Na coletiva após a première no festival, a cineasta Mia Hansen-Løve compartilhou que vinha querendo fazer um filme sobre inspiração, sobre o que é escrever e que seu ímpeto era retratar isso a partir de um casal de realizadores. Em 2018, ela foi uma das cineastas convidadas para a Semana Bergman, um evento alusivo ao cineasta sueco sediado na ilha de Farö (e como curiosidade e motivo de orgulho para nós, a brasileira Helen Beltrame-Linné, que inclusive aparece no filme, à época dirigia a Fundação Bergmancenter e o Festival Bergman Week que organizava o evento).
À Ilha de Bergman, chegam o casal de cineastas Chris (Krieps) e Tony (Tim Roth), ávidos por um tico de turismo cultural e muito tempo para desfrutar na calma e tranquilidade, apesar das saudades da filha pequena. Eles guardam esperanças de serem abençoados ou assombrados por Bergman com alguma inspiração mágica para deslanchar a escrita dos seus próximos projetos. Encravada no mar báltico, onde a vizinhança comporta pouco mais de 500 habitantes, Farö é solar e fotografada de forma quase de idílica por Denis Lenoir. A primeira metade do filme ressoa cinefilia entremeada com um estudo do relacionamento conjugal, como na sequência no cinema particular que opera no galpão anexo a casa onde Bergman filmou Cenas de Um Casamento. Após um longo debate, Chris questiona Tony, pede por um filme bergmaniano mais leve e ele diz que isso não existe – acabam assistindo Gritos e Sussurros. Cris se incomoda vendo Farö tão deslumbrante como Bergman só se interessou em transpor dor e feiúra para seus filmes e Tony rebate que não havia sentido em transpor a alegria tendo uma obra tão pautada em traduzir a tortura de viver e mergulhar na natureza humana.
As coisas invisíveis que circundam um casal são o tema do roteiro que Tony escreve com enorme facilidade, nem um pouco ávido pela partilha com Chris. “Escrever pra mim é uma dor auto infligida, é como tirar sangue de um pedra”, ela confessa. Ele a diz então para desistir, recusando mesmo a escuta para companheira de vida – logo ela também se vê ilhada em suas incertezas e angústias, se aquela história renderia “um filme”. Nesse ponto A Ilha de Bergman vira a chave e a metalinguagem corporifica a jornada de Chris em Amy (Mia Wasikowska), uma jovem mãe que está na ilha para o casamento de uma amiga e acaba reencontrando um antigo amor, Joseph (Anders Danielsen Lie).
À semelhança de Persona, Hansen-Løve mescla suas protagonistas de forma que elas vão se amalgamando, interpretando e dirigindo papéis no último ato da história. Chris é Amy e a diretora da história que está por vir; inclusive a relação dela como cineasta com o ator que faz Joseph também se funde. Como Persona foi o filme que salvou Bergman da depressão, o filme sendo escrito e filmado por Chris é seu processo de cura. E nisso A Ilha de Bergman vai circundando outros temas como a maternidade, a mulher artista, o primeiro amor no adolescer e as dores do amadurecimento, dilemas recorrentes em filmes anteriores da cineasta francesa e que aqui se sucedem.
Hansen-Løve escreveu o roteiro de A Ilha de Bergman em Farö, logo foi possível experienciar o filme que estava a criar e fazê-lo nuançado com alguns tons autobiográficos, ainda que a cineasta desdiga e arremate que esse filme é tão somente mais direto e frontal no trato de temas – ela já foi casada com outro cineasta, Olivier Assayas – como a dificuldade que atravessa Chris em sua escrita e que é encarnada nos fantasmas da insegurança e da comiseração. A cena onde Tony vai no Safari de Bergman que é uma curiosa – e real – excursão pela ilha, remontando aos sete filmes que o cineasta sueco rodou por lá e as casas por onde viveu, auxiliam a imprimir um tom dramático com um senso de humor bem vindo, suportado pela trilha saborosa de Raphaël Hambúrguer. Ingmar Bergman deixou a ilha e esse plano terrestre em 2007 mas é como seu fantasma seguisse sendo o guia turístico do lugar, um lugar com certa magia.
Um grande momento
Chris nos apresenta Amy
Nota: 8