- Gênero: Fantasia
- Direção: Rosane Svartman
- Roteiro: José Lavigne, Cacá Mourthé, Rosane Svartman
- Elenco: Nicolas Cruz, Lola Belli, Juliano Cazarré, Fabíula Nascimento, Arthur Aguiar, Lucas Salles, Hugo Germano, José Lavigne, Orã Figueiredo, Gregório Duvivier, Simone Mazzer
- Duração: 88 minutos
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Que Maria Clara Machado é uma autora indispensável, uma das maiores dramaturgas da nossa História, e criadora de clássicos incontestáveis, isso é sabido. Sua obra mais representativa, no entanto, só chega a ter uma adaptação cinematográfica agora, com a estreia de Pluft, o Fantasminha com a relevância que o título merece. Escrita em 1955, é considerada a maior peça infantil do nosso teatro, já montada inúmeras vezes, sempre com sucesso incontestável. Dirigido pela mais que experiente Rosane Svartman, o filme começou a ser rodado há seis anos, e só agora chega ao espectador, que aguardou por anos esse lançamento. Independente da qualidade de uma obra imortal, a curiosidade maior fica por conta do público de hoje, o alvo de sua flecha: acostumado a games como Grand Theft Auto e seriados como The Walking Dead, além de ser refém da indústria Marvel de entretenimento, como a juventude encara tamanha inocência em tempos cínicos.
O trabalho de Svartman na direção (de Desenrola, e autora de belas novelas de sucesso, como Totalmente Demais) é de muita coragem, ampliando sua estrutura estética ao máximo possível. Não apenas mostra uma evolução de uma cineasta que representa exatamente isso, como cria um escopo de valores de produção ao nosso cinema que salta aos olhos. Há uma disposição ao “assombro” (trocadilho infame) visual que impressiona a cada novo bloco de eventos, como o faz com tanta disposição quanto aparente simplicidade e confiança. O resultado é convencer adultos e crianças a respeito de que está sendo visto um material digno da qualidade do material; nesse sentido, a diretora consegue nos levar pela mão até um universo lúdico cercado de pureza e bons sentimentos, categorias tão em falta das atitudes e do cinema.
Todos os méritos relacionados aos sagazes diálogos entre Pluft e sua mãe estão na conta de Maria Clara, mas a adaptação de sua sobrinha Cacá Mourthé e de José Lavigne dão dinamismo a uma obra de quase 70 anos, nascida no palco. A forma como esse mesmo texto vai ganhando a embocadura de um elenco heterogêneo, com talentos de hoje, de ontem e do amanhã, é particularmente acertada, e atores como Juliano Cazarré e Fabíula Nascimento estão absolutamente plenos de suas capacidades cênicas. O primeiro está em um momento verdadeiramente especial, e para um ator que já esteve em filmes como ‘Boi Neon’ e ‘A Concepção’, se reinventar com tanta elegância é um prazer, para si mesmo e para o público. Mas é exatamente o texto de uma autora tão genial que torna capaz essa imersão de pessoas tão experimentadas em uma enxurrada de novidades.
A pergunta mais direta, no entanto, é acerca da capacidade de comunicação de Pluft no nosso tempo. O filme, assim como a obra original, exala muita sagacidade, sem dúvida, mas junto a isso sobram candura e valores considerados anacrônicos pelos sarcásticos de plantão. É uma cartilha que vende o valor da amizade e da inocência do primeiro encanto em tempos de medo do próximo, isolamento e fuga do contato físico. Nesse sentido, o filme chega no caos de uma pandemia ainda não controlada adequadamente, onde uma parte da população mundial se viu obrigada ao recolhimento – e sim, o filme comunica essa ideia de maneira pertinente. Mas até que ponto as crianças farão essa leitura tão adulta, e até que ponto os adultos conseguirão se render à sua delicadeza quase em formato onírico, é uma conjugação que será dada no campo dos resultados.
Trata-se de uma obra repleta de subjetividades, até pelo seu público-alvo; os infantojuvenis são difíceis de agradar, nunca sabemos se eles compram mais facilmente obras de apelo direto ou se eventualmente algo menos frenético acaba por conquistá-los. O trabalho de Svartman e da dramaturga é reintroduzir esses valores quase perdidos à primeira cepa da juventude. Que os seus pais acabem por enxergar essa conotação social que caiu como que por acidente no nosso colo hoje, também os filhos precisam da sedução que Maria Clara sempre soube tão bem conduzir. Decerto que esse trabalho será mais facilitado com um público de idade menor, mas por cada um Pluft será acessado de maneira diferente, com maior ou menor capacidade do mergulho nas profundezas da imaginação.
Falta ao filme uma reformulação da criatividade de sua maestrina. Svartman repete alguns planos com frequência, assim como o desenrolar de algumas sequências soam reprisados, como se estivéssemos passando por algumas vitrines parecidas. Principalmente na ação do trio de marinheiros, o filme parece girar em círculos no seu desenvolvimento – há uma repetição incômoda que o talento dos rapazes, especialmente o de Lucas Salles, tenta driblar. Soa quase como se Pluft tivesse sido esticado, o que deve ter acontecido de verdade para alcançar uma duração mínima para um longa metragem. Ainda assim, a singela ambição de querer trazer de volta a magia de uma superprodução recheada das mais valorosas intenções, e o lugar que o filme alcança em simpatia, compensam qualquer rabugice que seja lançada na sua direção.
Um grande momento
O pirata encontra o tesouro