- Gênero: Drama
- Direção: Thiago B. Mendonça
- Roteiro: Thiago B. Mendonça
- Elenco: Carlos Francisco, Renato Martins, Marquinho Dikuã, Monalisa Madalena, Ronaldinho da Cuíca, Lua Reis, Tiganá Macedo, Nani de Oliveira, Val Pires, Marcelo Cabeça, Dadinho Velha Guarda
- Duração: 102 minutos
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Viver esse momento, enquanto cinéfilo, enquanto jornalista e enquanto crítico de cinema, em que a (aparente) simplicidade e a profunda grandeza da Filmes de Plástico é enfim celebrada e coroada, com a escolha de Marte Um para ser o nosso representante do próximo Oscar, é muito forte. Porque sou sim entusiasta do cinema brasileiro, porque o louvo e o defendo, por tenho orgulho dele e desse cinema que é feito no contemporâneo, e porque eu particularmente acredito no afeto. Porque preciso acreditar nele para continuar vivendo em um país cujo presidente deseja todos os dias me ver morto. Ao chegar na cena final de Curtas Jornadas Noite Adentro absolutamente engasgado, tenho a certeza que, apesar de tudo, nós damos certo todos os dias.
Thiago B. Mendonça é um cineasta jovem, com mais curtas metragens que longas, e está lançando nos cinemas esse seu novo título, que rodou festivais ano passado. O filme faz um duo interessante com seu Belos Carnavais, que parece um ‘esquenta’ para o que veríamos aqui. Depois de ganhar a Aurora da Mostra Tiradentes em 2016 com seu explosivo e radical Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita não é um Urso que Dança, Mendonça pareceu disposto a se libertar de uma construção. Ninguém precisa obedecer a coisa alguma, e o cineasta encontrou uma forma cada vez mais delicada e quase artesanal de contar histórias cada vez menos agudas. Esse longa que é lançado agora é tão filho do mesmo tempo que a produtora mineira já citada, que uma simpatia automática nos carrega para dentro dele em poucos minutos.
Simpatia e despojamento, sedução e congraçamento. São dessas características que são formados os bastiões que regem Curtas Jornadas Noite Adentro, uma produção que não mede esforços para suscitar os melhores sentimentos possíveis em quem o assiste. A começar pela força imagética e sonora que emergem das rodas de samba filmadas por Mendonça, com uma energia que não apenas se alastra pelo filme como salta da tela, magnetizando o espectador. É tudo filmado com uma beleza cênica convincente e que não é oriunda do material filmado necessariamente, mas do que se filma, com a intimidade que se filma. Não à toa a presença de Mendonça se faz perceber em uma das rodas; é um cameo tradicional como tantos diretores já fizeram, mas é também, nesse caso, uma forma de fazer parte diretamente de uma realidade pelo qual ele demonstra absolutos respeito e compreensão.
Paralelo ao samba que corre madrugadas afora na vida da banda Zagaia, cada um de seus integrantes tem sua vida mais ou menos perseguida pela narrativa. É tudo construído dentro de uma economia de elementos das mais delicadas; nada está de fora, e quase tudo é utilizado na intenção desse desenvolvimento. São brigas domésticas, é o medo real do desemprego, é a descoberta de um amor singelo, são os encontros desastrados com pais que vivem à margem da realidade dos filhos. Nos sentimos cada vez mais próximos daqueles personagens por conta dos instantâneos de realidade que Mendonça recorta deles. O que forma então o esqueleto de Curtas Jornadas Noite Adentro é um movimento tardio de reconhecer o humano dentro das esferas social e familiar, para unir esses braços de afeto dentro de cada vida.
Apesar da proximidade do roteiro com seus tipos em off, é nos encontros musicais que o filme ferve suas carcaças. Da primeira sequência à última, Curtas Jornadas Noite Adentro vai se descolando gradualmente da pele de seus atores, para filmar o mundo à sua volta, como reage o externo ao que conhecemos já internamente. De início febril e imediato, com as câmeras respirando junto com cada personagem, o longa termina quase de soslaio para um enquadramento dos mais felizes. A magia acontece quando, no término, percebemos que estamos mais unidos que nunca a essas pessoas, mesmo quando elas já não estão mais nem enquadradas direito, mas emocionalmente elas já são um desdobramento da narrativa. Que isso tudo ainda seja vivido com muita potência, pelas imagens e pelos atores, transmitindo sempre uma torrente de energia, é uma prova de que o filme está vivo e pulsando.
Um dos protagonistas do filme é vivido pelo mesmo Carlos Francisco de Marte Um, outra ponte que une as produções. Ele, Marquinho Dikuã, Renato Martins e Ronaldinho da Cuíca são uma força motriz poderosa para que essa mesma ponte seja fortalecida a cada nova cena, assim como Monalisa Madalena e Lua Reis explodem na tela com doçura e força. São os atores e suas interconexões com a música, com sua arte múltipla, que nos coloca no mesmo pé de absorção de Curtas Jornadas Noite Adentro, cantando junto e se emocionando com a força de um Brasil que permanece excluído. Não é apenas o samba que segue marginalizado dentro da cultura, mas aqueles sobreviventes à rotinas tão verdadeiras que apanham todos os dias. Mas, enquanto houver samba…
Um grande momento
Edgalo e o surdo