Crítica | Festival

Joyland

Unindo identificações

(Joyland, PAQ, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Saim Sadiq
  • Roteiro: Saim Sadiq, Maggie Briggs
  • Elenco: Ali Junejo, Rasti Farooq, Alina Khan, Sohail Sameer, Salmaan Peerzada, Sarwat Gilani, Sania Saeed, Mudassar Khan
  • Duração: 125 minutos

Como citou o colega Chico Fireman, estamos em 2022, ano onde a extrema-direita não regrediu (pelo contrário), e um país como o Paquistão não apenas produziu algo como Joyland, como viabilizou sua difusão através da inscrição para representar o país no Oscar de filme internacional. Já multiplamente premiado no Festival de Cannes, o filme é um assombro sob muitos pontos de vista, mas os que mais impressionam, são os que observam os lugares onde essa produção chegou. Sendo feita em muitas outras partes do mundo, ainda causaria algum impacto, mas vindo daquela região do globo, nos mostra que esse tal planetinha ainda tem alguma chance de sair do horror que estamos vivendo há alguns anos – certos países, quase de maneira ininterrupta há décadas. 

Saim Sadiq estreia em longas metragens com garra insuspeita, em uma produção que exala urgência e até uma certa exuberância, que não tem necessariamente algo a ver com a origem de ambos, filme e autor. Ainda que seja sim um ponto de interesse contínuo se debruçar sobre esse lugar ainda tão pouco difundido no Ocidente, principalmente em seu cinema, o que se ganha em Joyland é de caráter investigativo de seus processos autorais. Ainda que narrativamente seja uma produção sem maior espaço para a experimentação, o trabalho que Sadiq delibera acerca da imagem e do lugar onde é conduzido sua captura de planos, é colocado referencialmente para o cinema de seu recorte geográfico, além das questões de gênero que nele se abrem. 

O mais óbvio, e que vazou pela sua vitória da Queer Palm, é a temática LGBTQIA+, com um enfoque que mesmo o cinema já estabelecido não aborda comumente – as zonas de acesso à transexualidade. Mas Joyland vai além ao também confrontar esse olhar com os que lança sobre o feminino cisgênero, que em um lugar como o Paquistão está em campo de igualdade no que diz respeito à falta de respeito e silenciamento. Essas duas narrativas, digamos, se unem na leitura de Haider, o protagonista dividido entre a esposa que aprendeu a amar (se vocês não lembram que essas pessoas se casam sem se conhecer, o filme relembra) e uma nova paixão surgida no teatro – sim, o protagonista é um pretenso ator que consegue uma vaga como dançarino de um musical. 

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A vocação para a polêmica parece ser uma escolha em Joyland, e o filme ameaça seriamente tomar um rumo misógino, mas sua vocação é a da conciliação entre minorias. Ainda que o filme se encerre de maneira diferente do que imaginávamos, com um rumo bem enfatizado na tragédia, Sadiq o faz de maneira consciente, para provocar um debate de camadas mais profundas. É como se dissesse que, em determinadas castas sociais e em determinados pontos da geografia mundial, mulheres e sujeitos ‘queer’ estão igualmente condenados ao desaparecimento. O homem, ainda que desviado, nunca cessará seus privilégios, porque eles os acompanham desde seu nascimento. Não há capacidade possível para articular outro caminho para as minorias em um Paquistão da vida. 

Joyland
Cortesia Mostra SP

Joyland e seu autor empregam seus esforços na propagação de uma renovação de valores morais, como entrega uma cena de explosão familiar próxima ao fim, mas deixando claro que também lhe interessa sua capacidade estética. A imagem muito divulgada da figura de papel sendo carregada por uma motocicleta é um dos pontos que chamam a atenção graficamente ao filme, que luta para se provar também como material imagético. Tenho a impressão que a empreitada é bem sucedida, ao olhar para o que é conseguido em cena. Das cenas entre Haider e Biba, bastante corajosas pela intimidade empregada, até o lugar onde o filme posiciona Mumtaz e sua coragem de questionar, o filme é precioso em promover debates sem parâmetros naquela sociedade. 

Conforme avança casas de discussão, o filme deixa claro seu posicionamento a favor da liberdade de expressão, sexual e de gênero que lhe pode caber. São muitas conquistas que o filme é a favor de concatenar, principalmente no que diz respeito ao sexo mesmo, e em como não podemos deixar de celebrar o ato de se sentir livre para expor sua preferência e seu prazer sexual. Sim, Joyland deixa claro que o sexo não é restrito ao desejo masculino, e também pode gerar busca digna nos corpos femininos, sejam eles cis ou trans. 

Um grande momento
Biba explode com a equipe

[46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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