- Gênero: Animação
- Direção: Nora Twomey
- Roteiro: Meg LeFauve
- Duração: 95 minutos
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Algumas muitas ausências são sentidas, ou melhor, sugestionadas explicitamente, logo que se inicia O Dragão do meu Pai, estreia de hoje da Netflix. Não há um homem adulto, por exemplo, em toda a narrativa, e estamos falando de uma história familiar – uma dessas compostas por mãe e filho, apenas. Esse homem que ajudou a gerar essa criança não está em cena, não é citado, não é observado em foto, não tem sua presença cobrada. Ele simplesmente não existe, e essa escolha diz muito sobre o que a diretora Nora Twomey está querendo contar nessa adaptação do livro de Ruth Stiles Gannett. Pela narração em off (e pelo título também), fica estabelecido que, em algum momento, essa criança se tornará pai, e um dos bons, imaginativo e referencial. Porém, seu esteio é essencialmente feminino.
Elmer e sua mãe, Dela, são apresentados ao público de uma maneira absolutamente carismática e precisa. Eles sobrevivem graças a um armazém em uma cidadezinha do interior, vítima da recessão que os fará perder tudo. Uma mulher solteira com um filho, Dela precisa se mudar para a capital e tentar se estabelecer sem ter qualquer dinheiro. Esses primeiros 20 minutos de O Dragão do meu Pai são tão delicados e sutis, mexem com tantas questões que ficam nas entrelinhas (e algumas delas nem saem de lá), que o público adulto já estará absorvido por essa apresentação. Já o infantil, começará a se conectar com a história exatamente após esse preâmbulo inicial, que exerce um fascínio maior ao crítico que o escreve.
Co-produção irlandesa, O Dragão do meu Pai é uma animação que a Netflix apresenta ao público com o pedigree de ser produzido pelos mesmos indicados ao Oscar por Wolfwalkers e A Canção do Mar. Aqui, a qualidade é mantida, tanto estética quanto narrativamente, marcando o que deve ser uma nova indicação para o grupo, provavelmente merecida. Assim como em suas incursões anteriores, os filmes desse grupo privilegiam um olhar para questões infanto-juvenis muito aguçadas, mas altamente psicologizáveis. Dessa vez, o título é mais universal, e menos ligado a tradições culturais e folclóricas da Irlanda, mas a sensibilidade dos traços e a riqueza das costuras do roteiro continuam evidentes, criando mais uma atmosfera acolhedora diante de temas que poderiam ser espinhosos.
O título flerta com a narrativa fabular que vimos em Onde Vivem os Monstros, beleza dirigida por Spike Jonze que também discorria sobre a necessidade de criar novas alternativas de inocência diante do horror adulto. Assim como o Max do outro título, aqui Elmer se encontra refugiado em uma ilha em busca de um dragão que pode, em tese, realizar seus segredos. O roteiro é irônico, ao fazer o personagem embarcar em uma aventura desnecessária, como se estivesse dizendo que ele não precisava solucionar nada, porque os problemas não são dele; ele só precisava ser criança. E é isso que a produção tenta, pegar nossas mãos adultas e nos desconectar de uma realidade opressiva para um mundo de exuberância.
Há um contraste forte entre esses dois pontos narrativos, um de tom ocre e marrom, indo descambar para um ambiente absolutamente festivo e colorido. Nada é por acaso, o filme permeia seu discurso imagético por essa tentação do lúdico, que não pode ser esquecido, principalmente quando a dureza pedir passagem. Na legenda da despedida entre os protagonistas de O Dragão do meu Pai, a fala de Elmer (“eu vou dar um jeito”), nos remete imediatamente para o final de Marte Um, o filme que por excelência pediu passagem para o sonho em meio a realidade esse ano. São necessidades parecidas, a de sonhar em meio a um mundo que não entendemos e que não está muito afim de entender nossas demandas infantis.
A conciliação entre o que é palpável e o que é onírico é uma questão que não pode nos assombrar, e Elmer tem o que fazer com aquele universo de escape da sua infância: ser o pai que não teve. O Dragão do meu Pai, então, é uma forma de redefinir também como lidamos com nossas ausências, com o que não conseguimos completar como indivíduos. Escolher absorver o trágico ou revelar uma nova faceta com a qual você não conviveu abre também uma discussão ainda mais poderosa e igualmente não-verbalizada: a mulher solteira que educa, cuida e provê sua família sem qualquer ajuda. Elmer é mais uma criança que cresceu sem um homem em sua formação, mas isso não o impediu de ser um. E dos bons, pelo visto.
Um grande momento
O pote de moedas se esvazia