- Gênero: Comédia
- Direção: Roger Michell
- Roteiro: Richard Bean, Clive Coleman
- Elenco: Jim Broadbent, Helen Mirren, Fionn Whitehead, Matthew Goode, Jack Bandeira, Anna Maxwell Martin, Charlotte Spencer, Ashley Kumar
- Duração: 95 minutos
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Pouca gente no futuro irá lembrar de Roger Michell, e isso é bastante triste. Vencedor de dois BAFTA para a TV, Michell teve singela carreira no cinema, até falecer há pouco mais de um ano, justamente quando estava lançando esse seu último filme narrativo, O Duque, que acaba de chegar na plataforma HBO Max. O filme é a pura essência do que ficou mais evidente em Michell, filmes como essa verve britânica impecável, textos sempre afiados fossem escritos por quem fosse, uma naturalidade para tratar de coisas mundanas ou extraordinárias. Ou tornar o que seria exatamente extraordinário em mundano. Isso está não apenas nesse seu último filme como em toda sua filmografia, principalmente em seu maior sucesso, o inesquecível Um Lugar Chamado Notting Hill.
Essa é uma história real, acontecida há 60 anos atrás, entre “pessoinhas” bem comuns de Newcastle, na Inglaterra. Kempton Bunton, um senhor de mais de 60 anos, casado com Dorothy, pai de Jackie e Jack, vive uma existência, digamos, despreocupada ao que concerne questões como salário e emprego. Não consegue parar em qualquer que seja a função onde esteja por seus modos demasiadamente irônicos e liberais. Inconformado que nem todas as pessoas possuam licença para tv (sim, na Inglaterra você paga para ter canais de tv em casa, e a licença gratuita para maiores de 70 anos só chegou em 2000!), ele parte para uma ação radical: roubar um quadro de Goya, e com o resgate, distribuir essas licenças entre idosos e veteranos de guerra, como ele. Ou seja, um típico Michell.
Toda essa situação, que qualquer outra parte do mundo assiste com estupefação e crescentes níveis de espanto, é perfeitamente normal no universo do diretor, taí como essa história ocorrida em 1961 soe absolutamente como fictícia, saída de um de seus longas. Michell nem sempre dirigiu comédias, mas sempre fez dessa sensação surreal uma forma de, posteriormente, controlar um caos que ele tinha prazer em deflagrar. Uma busca por controle em um mundo indomável, que não segue os moldes que esperamos na maior parte das vezes, e que em grande parte delas, se resolve de maneira igualmente fora dos padrões. Então mesmo em policiais (Fora de Controle) ou em dramas (Amor Obsessivo), essa necessidade de reger uma orquestra estridente foi uma marca sua.
Temos em Kempton um personagem fascinante, assim como sua mulher Dorothy. Ele, uma força da natureza que se impulsiona pelo próximo e raramente por si; ela, pragmática em sua necessidade de operar os fatos, e manter a ordem. Kempton formula questões, Dorothy as decifra; ele constrói quebra-cabeças, e ela os monta. O cinema como reflexo de um dos mais básicos ensinamentos: um casal é feito de pólos contrários, e não afins. O Duque, assim como tantos romances, também é sobre ceder e permitir o encaixe, mas aqui principalmente temos de compreender os lugares onde esses opostos se encontram, e o que eles fazem para continuar seguindo. Um filme sobre, afinal, não ser 1 tijolo, mas um coletivo que construa algo para a posteridade – amor, sociedade, justiça, mudanças.
Como bom exemplar britânico, e entendendo principalmente o cinema que Michell moldou pra si, O Duque ao mesmo tempo não está travado em um modelo estático de cinema, tampouco é um espetáculo visual inebriante. A um só tempo sendo tradicional e também querendo se comunicar com um público exigente, a montagem de Kristina Hetherington (de O Milagre) concatena ritmo e a modernidade possível a um filme ambientado em uma pequena cidade inglesa há tantos anos atrás. Ainda que sua trajetória narrativa faça muito sentido como autor, sua necessidade de não se manter esteticamente estável era de um louvor perceptível, e vemos aqui que Michell poderia ter rendido ainda muito mais entre nós.
A escalação de Jim Broadbent e Helen Mirren vai além do acerto de encontrar dois dos mais formidáveis atores britânicos em atividade, que conseguem nos encantar a cada nova frase dita. Mas de compreender como eles se encaixam tão bem nesses personagens e no conceito do filme, de “eu sou você, e você sou eu” (em cena adorável de dois discursos distintos, o de Broadbent e o final de Matthew Goode). Esse acordo tácito de amalgamar sentimentos distintos a um casal, e assim poder formar uma parceria que renda tantos anos, é uma fórmula que vai além da narrativa apresentada aqui. É uma ideia que O Duque difunde para além do coletivo, mas principalmente para as relações em dupla – nada vale se não for para somar, para crescer, para evoluir. Que venha o tempo de crescer juntos.
Um grande momento
“O Momento” são todos os momentos de Kempton discursando no julgamento