- Gênero: Comédia
- Direção: Nicole Holofcener
- Roteiro: Nicole Holofcener
- Elenco: Julia Louis-Dreyfus, Tobias Menzies, Michaela Watkins, Owen Teague, Arian Moayed, Jeannie Berlin
- Duração: 93 minutos
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Quando caímos em Verdades Dolorosas, de Nicole Holofcener, dos afiadíssimos Amigas com Dinheiro, Sentimento de Culpa, À Procura de Amor e Gente de Bem, já fica claro que estaremos mais uma vez em uma de suas características comédias, com pessoas comuns e conflitos identificáveis, em longas e rápidas conversas de personagens carismáticos e complexos. Vamos acompanhar a história do casal Beth, uma professora e escritora que está prestes a lançar sua primeira ficção, e Don, um psicólogo que parece cansado da profissão, mas segue atendendo seus pacientes.
Bem diferentes entre eles, os dois têm um casamento sólido e se há algo que chama a atenção na relação e em suas individualidades é a habilidade de escuta desenvolvida por anos e, inclusive, parte essencial de suas atividades. É nesse ouvir que se estabelecem outras relações, com personagens satélites do filme, e também que a narrativa encontra seu principal ponto de virada e sentido. Mas chegaremos lá daqui a pouco. Antes vamos falar dessa diversidade de personas que habita o universo de Beth e Don e torna tudo tão mais interessante.
Seguindo o padrão Holofcener de roteiro, os diálogos são afiados e as conversas frenéticas. Há informações aleatórias, mas não menos importantes, que chegam dos estranhos pacientes de Don ou dos alunos de Beth; e aquilo que está no cotidiano e, de certo modo, afeta a dinâmica central, com os pequenos ataques de intolerância e momentos de solidariedade da irmã Sarah; a insegurança e companheirismo do cunhado Mark; e os faniquitos perdidos entre a insegurança e a indignação do filho pós-adolescente Eliot. E, claro, aquelas peças fundamentais para compreensão que surgem da figura materna, sempre ela, numa das personagens mais divertidas de Verdades Dolorosas.
Embora o centro seja o casal, que passa pelas mesmas questões ao encarar o envelhecimento e a insegurança, o protagonismo é de Beth. É ela quem tem os sentimentos feridos do título original do filme, You Hurt My Feelings, no final das contas. Julia Louis-Dreyfus faz um belo trabalho na construção dessa criatura que não ultrapassa a normalidade, mas é tão cheia de sutilezas que a distinguem. A atriz, que é ótima na transição entre o humor e o drama, consegue transmitir toda a ansiedade, insegurança e decepção da personagem, do mesmo jeito que fica impassível ao não perceber suas incoerências, por mais óbvias que sejam.
Porque é fácil ver o que fazem, mas é difícil notar o que fazemos. E aqui voltamos à tal escuta, que se transforma em outra coisa, muito mais complexa. O ponto de Verdades Dolorosas não é que estão ali dois personagens que sabem ouvir muito bem, são dois personagens que aprenderam a escutar, mas perderam a habilidade de falar, ou, pelo menos, têm medo de dizer a verdade uma vez que esta pode magoar a outra pessoa. Tudo sob o manto permissivo do encorajamento.
A dinâmica que se repete há anos, na celebração do aniversário de casamento e testemunhamos logo no início do filme, é um acordo não firmado, estabelecido entre os dois desde sempre. Mais do que isso, não está restrita àquela casa, àquele casal, e todo mundo sabe disso. Holofcener traz a questão também quase como uma marca geracional que se confirma e faz isso de uma forma muito natural e divertida quando confronta a relação de Beth e Sarah (Michaela Watkins) com sua mãe, uma excelente Jeannie Berlin, com a de Don (Tobias Menzies) e Beth e seu filho (Owen Teague). De modo geral, guardadas todas as questões classistas, de gênero e de raça, a geração da protagonista tem mães e pais que cobram e falam para os filhos que eles precisam melhorar, que seus feitos não são bons o bastante, enquanto tem filhos que escutam que são excelentes, e seus feitos são maravilhosos e geniais.
Obviamente, existe uma parcela de crença cega e ruptura com o passado, mas, sem dúvida, há, por trás de tudo, a imensa vontade de não ferir os sentimentos de alguém. Algo que vai muito além de qualquer relação de parentesco, um traço social, portanto. Com todo seu humor e simpatia, Verdades Dolorosas está bem aqui ao nosso lado e diverte fazendo pensar numa questão que é tão nossa e cotidiana. Mais um acerto para a lista da diretora e roteirista que, cada dia mais, se mostra uma das mais habilidosas na arte de escrever sobre a nossa vida.
Um grande momento
Vontade de vomitar