- Gênero: Musical, Romance
- Direção: Lázaro Ramos
- Roteiro: Keka Reis, Caroline Fioratti, Babi Dewet
- Elenco: Gabz, Lucas Leto, Iza, Bukassa Kabengele, Larissa Luz, Maria Calú, Bibba Chuqui, Pedro Blanc, Nicolas Lee, Raphael Ghanem, Lulu Santos
- Duração: 100 minutos
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Semana passada a Prime Video começou a lançar o projeto Um Ano Inesquecível, e a primeira impressão foi a pior possível; Verão foi uma estação-filme que, o quanto mais rápido for esquecido, melhor para todos os envolvidos. Isso baixou consideravelmente as expectativas quanto a Um Ano Inesquecível: Outono, a segunda parte da tetralogia, ajudando a produção em todos os sentidos. Dirigido por Lázaro Ramos em sua segunda incursão em longas, o filme surpreende pelo gênero onde se exercita, pelo giro do projeto em si, e pela observação curiosa que o diretor quer lançar sobre sua carreira, apenas um ano após sua estreia. O resultado é, na falta de uma palavra melhor, refrescante em tudo que se propõe.
Após Medida Provisória, chama a atenção que Ramos tenha escolhido puxar o freio da ambição por um lado, sem deixar de ambicionar as diretrizes de uma nova carreira por outro. A política continua presente em sua cartilha, mas dessa vez não há verbalização; há imagem, há força cênica e estética. Em outra ponta da discussão, o homem por trás do corpo de Madame Satã aponta para o musical e decide, com humildade, ressignificar as molas do mais tradicional gênero norte-americano, “colorindo” sua paleta. Com raras e pontuais exceções, Um Ano Inesquecível: Outono é um filme preto, de corpo e alma – e isso, por si só, já o faz figura dissonante dentro do seu escopo. Que o filme explore o lugar onde seus personagens estão fisicamente, emocionalmente e profissionalmente para refletir sobre algumas parcelas sociais e pelo menos duas faixas etárias distintas, é sintomático de muitas novas agendas.
Se quando Um Ano Inesquecível: Outono é colocado ao lado do que Ramos parece estar moldando para o futuro o filme já soa empolgante, quando seus signos são configurados para elucidar debates que está impresso apenas no campo do plano, configurando assim um realinhamento narrativo, o filme se intensifica. Ainda mais quando suas ideias não são planas, e precisam da intensidade do olhar para ganhar significado e sabor; parar a Avenida Paulista para um corpo de baile preto dançar na abertura de um filme é muito mais eficaz do que seus personagens efetivamente dialogam. São momentos como esse que tornam a experiência do filme difícil de classificar dentro de um projeto, e mesmo quando pensado isolado, existe uma fúria delicada sendo gestada a cada cena.
São jovens pretos e periféricos lutando por um lugar ao sol das maneiras que cabem em seus sonhos, tão díspares. Uma jovem advogada com algum trauma musical e um jovem músico que não se dobra às convenções seriam bons protagonistas de qualquer produção, com dobraduras suficientes para conseguir dimensões com amplitudes determinantes na ideia de um projeto. Que eles estejam representando um gênero tão pouco difundido no Brasil, que o façam de maneira tão fluida, que usem a sua pretitude para alargar os domínios do musical de maneira definitiva, e que lancem um olhar sobre seus lugares dentro de um aspecto socioeconômico que não os privilegiam, eleva as capacidades de seu diretor e faz com que Um Ano Inesquecível: Outono alcance um lugar não imaginado.
Mesmo que sob prismas paralelos, consigo observar um alargamento de Ramos após sua estreia tão cheia de expectativas, que acabou por não cumprir grande parte de seus desejos ambiciosos. Havia demais a abraçar na distopia futurista e trágica que foi um dos maiores sucessos de 2022; aqui, o realizador ainda ambiciona uma nova posição de alcance, mas o faz com a tranquilidade com que dirige uma comédia romântica. Liberto das obrigações que uma produção dita séria carrega, Um Ano Inesquecível: Outono conversa mais com os signos que são caros a Ramos sem criar uma obrigatoriedade de diálogo. Tudo está ao alcance do que a imagem proporciona, e ela sozinha realiza muitas façanhas, como a de colocar Larissa Luz em um número com garçons de stiletto, embasbacante por tudo o que mostra e muito também pelo que representa em matéria de enriquecimento de representação social.
Como um todo, o elenco de Um Ano Inesquecível: Outono é muito bem escalado, a começar pelo protagonismo de Gabz e Lucas Leto. Mas se a estreia de Iza é agradável, as presenças da já citada Luz e do irrepreensível Bukassa Kabengele (de Pacificado) agigantam as participações, e não posso deixar de citar a figura de Pedro Blanc, um acerto do começo ao fim, enquanto intérprete e enquanto mantenedor de um personagem incrível, Wesley. É como se Lázaro Ramos não tivesse ficado satisfeito com os louros que colheu com Medida Provisória e viesse com aposta dobrada; pra mim, a vitória é ainda mais significativa, porque é um jogo muito mais difícil de ser jogado. Ancora tanto simplicidade quanto complexidade a um só tempo, e serve principalmente para abrir os domínios de seu autor para lugares ainda menos explorados.
Um grande momento
O karaokê