Crítica | Streaming e VoD

Perdida

(Perdida , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Romance
  • Direção: Katherine Chediak Putnam, Dean W. Law, Luiza Shelling Tubaldini
  • Roteiro: Karol Bueno, Katherine Chediak Putnam, Dean W. Law, Luiza Shelling Tubaldini
  • Elenco: Giovanna Grigio, Bruno Montaleone, Bia Arantes, Luciana Paes, Nathália Falcão, Emira Sophia, Lucinha Lins, Hélio de la Peña, Sergio Malheiros, Diego Montez
  • Duração: 105 minutos

Carina Rissi é uma autora de best-sellers brasileira, que ganhou uma legião inominável de fãs com uma série de livros que contam a fantástica história de viagem no tempo de Sofia. Perdida estreia essa semana nos cinemas com muita expectativa do mercado, mas do ponto de vista da análise, posso garantir que fui surpreendido com os resultados que a produção chega aqui. Uma ideia típica de histórias para jovens adultos estadunidenses, os livros já teriam sido adaptados muito mais rápido nos EUA, e é muito bem-vindo que essa primeira parte chegue tão repleta de esperanças, em momento tão delicado para o nosso mercado. No entanto, não dá pra dizer que o resultado não parece ter sido conseguido com uma dose redobrada de esmero, feito para agradar os fãs e também os recém-chegados. 

Para quem não se aventurou ainda, a trama de Perdida tem uma doçura na forma como homenageia o romantismo à la Jane Austen e se ressente de um tempo onde o cinismo tenha tomado conta das relações humanas. Sua protagonista é uma garota do nosso tempo, mas que convive bem com uma ambiguidade típica de 2023 – ela não acredita mais em romance, como todo ser humano normal que vive levando pedrada de relacionamentos dos tempos de fluidez emocional. Transformou-se em uma sonhadora que tem plena consciência de como fomos ultrapassados pela rapidez dos aplicativos, pela quantidade em detrimento da qualidade. Por isso, mesmo sendo entusiasta de Austen e planejar o relançamento de sua obra, é sensata em relação ao que podemos encontrar hoje em um pretenso relacionamento, para sermos tratados como décima opção. 

Perdida
Star Original/Divulgação

Ao magicamente ser transportada para o período retratado por Austen em seus livros, Sofia percebe que sempre teve razão ao ter apreço por algo que não era o seu tempo de origem. É nesse momento que percebemos a delicadeza da produção para recriar não apenas 200 anos atrás, mas principalmente recuperar costumes e uma delicadeza inerentes à época. Perdida é um filme que conversa com nosso tempo ao cobrar do espectador uma atitude menos intempestiva em relação ao que nos aguarda, em pedir ao público que um tempo de sinceridade seja bem-vindo de volta. Não há espaço para um olhar que não seja dócil em relação ao próximo, e mesmo as intrigas palacianas, para quem está acostumado com o universo ‘austeniano’, sabe que também elas estão inseridas em um contexto de luta de classes que eram determinados por tudo que vinha prévio a nós mesmos. 

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Seguindo os exemplos do que foi apresentado no audiovisual em Bridgerton, Perdida enfoca etnicamente seus personagens em um tempo redescoberto pela História. Sabemos que a escravidão no início do século 19 ainda era uma realidade longe da extinção, mas a produção não distingue os corpos em cena por distinção de cor. Temos Hélio de la Peña como um médico de família, assim como Emira Sophia como uma das herdeiras da história, em busca de um casamento que lhe provenha futuro estável. Assim como os empregados da mansão dos Clark são todos brancos, mesmo vivendo naquele Brasil austero de 1820. É como se uma revisão histórica vinda da fantasia acabasse com um dos maiores crimes que a humanidade já cometeu contra os seus, e fôssemos convidados a embarcar em um sonho atemporal. 

Perdida
Star Original/Divulgação

Levando em consideração que Perdida é um produto de estúdio (no caso, a Disney) comandado por três diretores diferentes – Katharine Chediak Putnam, Dean W. Law e Luiza Shelling Tubaldini – que, além de tudo, estão em briga de bastidores para definir se mantém Luiza na função ou não, o resultado vai além do esperado de verdade. Há harmonia em direção de arte e figurino (pontos obviamente altos da produção), e uma preciosa recriação de valores empregados, tanto no presente da produção quanto no passado. É algo raro de se acompanhar, pensando que tudo ali poderia estar ruindo, e nada disso conseguiu transparecer ao trabalho coletivo, que contém uma sinergia muito difícil de alcançar em casos assim. 

Esse campo harmonioso captura também o elenco, como o casal de protagonistas Giovanna Grigio e Bruno Montaleone, ambos muito bem em suas funções, ela como desenvolvedora da narrativa, ele como o mocinho romântico de época. Mas tem uma pessoa em particular que brilha acima dos demais, Luciana Lins. Desde sua estreia no cinema em Os Saltimbancos Trapalhões (o melhor filme do quarteto, na minha modesta opinião), Lins nunca foi explorada como deveria na tela grande, com participações rápidas em filmes aquém de seu enorme repertório. Desde o longa de J. B. Tanko ela não tinha oportunidade que compreendesse tão bem seu talento, e a colocasse em evidência dessa forma, mesmo que seu personagem seja menor do que poderia, mais uma vez. 

Eu diria que a atriz (sem esquecer de Luciana Paes, mas essa é comumente especial no cinema; e Clara Choveaux, uma única cena onde mais uma vez seu talento é celebrado) é a cereja de um bolo recheado com um sabor que temos visto pouco no nosso cinema, uma mistura de realismo fantástico, subversão temporal e diversão adolescente rara. O respeito aos sentimentos de cada tipo criado, a forma certa de encaixar os clichês sem extrapolar os limites – a cena do jantar não descambar para a clássica cena da mocinha atrapalhada com os talheres e comidas é um alívio – mostram que Perdida só precisa da divulgação certa. Tudo o que está em tela garante que o público cairá de amores pelo que foi criado. 

Um grande momento

O primeiro jantar de Sofia na mansão

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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