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Bottoms

Meio a meio

(Bottoms, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Emma Seligman
  • Roteiro: Emma Seligman, Rachel Sennott
  • Elenco: Rache Sennott, Ayo Edebiri, Ruby Cruz, Havana Rose Liu, Kaia Gerber, Nicholas Galitzine, Miles Fowler, Marshall Lynch, Zamani Wilder
  • Duração: 88 minutos

Emma Seligman e Rachel Sennott conceberam um pequenino estardalhaço há pouco tempo. Do nada, todo mundo tinha visto e amava Shiva Baby, filme realmente muito simpático (e satírico, e debochado, e ácido) lançado pela MUBI, e que jogou nelas um holofote particular – e, obviamente, o revés de algo tão unânime hoje viria, que é uma cobrança posterior. Desde que foi anunciado, todos achavam que Bottoms seria o acontecimento cômico de 2023, e para muita gente deve ter sido. Lançado nos cinemas estadunidenses, o filme chega hoje ao Prime Video e mantém nossa simpatia pelas meninas, que continuam sagazes olhando da forma como olham para a sociedade. 

Particularmente, creio ter acontecido um recuo no sarrafo de suas possibilidades. Não, isso não significa que elas se mostraram ‘banda de um sucesso só’, mas que a segunda tacada não surtiu efeito tão rápido quanto a primeira. O que estava no filme anterior era um ponto de partida muito original, que se desenvolvia de maneira igualmente inusitada. Não que fosse esperado (ou que seja, no caso delas ou de qualquer outro) repetição de originalidade para o projeto, mas a impressão que dá é que o ponto de partida aqui até é curioso, e o desenvolvimento acerta os alvos na condução do todo, mas Bottoms está em um lugar reconhecível demais. Já vimos o ambiente, já vimos as protagonistas, já vimos a estrutura do roteiro, ainda que tudo se arvore por decisões curiosas.

A criação do tal clube feminino, por exemplo, parte dessa ideia o campo central do filme, mas tudo é demasiadamente rápido: a estruturação, o reconhecimento, a identificação, e a dissolução. Não sentimos a textura da gravidade e do tempo em cada movimento, as coisas simplesmente são apresentadas, na cena seguinte já avançaram, na posterior também, e quando vemos a extinção. Bottoms trabalha com essa ideia de comunhão de seu núcleo, de tentativa de criar uma coalizão que seja coerente e justa, para atender àquelas necessidades. O filme sopra rápido demais seu lugar de origem, para que esteja muito em breve mais uma vez naquele momento onde as duas protagonistas brigam, desfazem a amizade, que será retomada no final com força. É um esqueleto de trama tão tradicional, que quando ela dá as caras no filme, me senti pessoalmente desanimado. 

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A ideia das personagens também passa por um ritual normativo, para um filme que celebra a aceitação das diferenças. Ok, não é todo dia que um filme é protagonizado por uma dupla de lésbicas, mas se apenas a incitação for feita, em cima de um modelo não apenas muito reconhecido como também já testado à exaustão, existe que tipo de mudança? Não falta a cena com a música do passado que será o “grande evento da produção”, contribuições de Bonnie Tyler e Avril Lavigne, os personagens que se virarão contra seus planos que no final estarão ao seu lado, e tantos mais. Bottoms não é maior ou melhor que títulos como Nunca Fui Beijada, mesmo que sua postura seja a de trazer renovação; é essa ‘marra’ do filme que incomoda mais, porque claramente o filme se imagina muito mais progressivo do que de fato é. 

Mesmo que o clímax do filme seja algo parecido com uma apoteose sangrenta, e isso se converta em um acerto de decisão, não vejo a comunicação dessa tragédia final com algo comunicado previamente pelo filme. Em resumo, apesar de excelente, o fim de Bottoms parece uma ideia extraída de uma cartola para um outro filme e encaixado aqui, sem que fosse necessário coerência. Ainda assim, é impossível não se envolver com Sennott e Ayo Edebiri, aos 28 anos, tentando convencer como mocinhas adolescentes; é uma situação tão surreal, que soa como proposital, tipo uma paródia na linha de Grease. O elenco como um todo é bastante desnivelado de idade e isso nem se tenta disfarçar, até porque estão todos ótimos vivendo seus estereótipos. 

Apesar de tudo, é um passatempo tão cheio de bossa, com esses lampejos de refrescância prestes a acontecer aqui e ali, que é impossível desconsiderar Bottoms, e na verdade nem há essa tentativa. Como tantos filmes em tantas temporadas, esse é mais um a utilizar uma fórmula para desfilar algo especial que se entrincheirou no meio da narrativa. Nada que Tina Fey não tenha nos apresentado lá em Meninas Malvadas e o cinema até hoje tente dar novos e apetitosos olhares, mesmo que a provocação surta um efeito rápido demais para marcar para além de sua temporada. 

Um grande momento

‘Total Eclipse of the Heart’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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