- Gênero: Comédia
- Direção: Taika Waititi
- Roteiro: Taika Waititi, Iain Morris
- Elenco: Michael Fassbender, Kaimana, Oscar Kightley, Elisabeth Moss, Will Arnett, David Fane, Beulah Koale, Uli Latukefu, Ioane Goodhue
- Duração: 101 minutos
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Já se faz uma década que O Que Fazemos nas Sombras? foi lançado; continua sendo o melhor (único bom?) filme dirigido por uma das figuras mais insistentes do cinema contemporâneo, Taika Waititi. No momento em entressafra, Waititi virou, sabe-se lá porque, uma espécie de “rei do tapete”. Para onde olhamos, seja em lançamento de filme alheio ou abertura de novas filiais da Colchões Ortobom, está lá essa figura, digamos, excessiva. Depois da Academia de Arte e Ciências Cinematográficas outorgar um absurdo Oscar de roteiro ao infame ataque racista Jojo Rabbit, podemos descansar de acharmos que o moço neozelandês não teria mais como cavar mais baixo na carreira; tem sim. A estreia de Quem Fizer Ganha, pra mim, deveria ser adiada mundialmente – não foi e não será, e ainda tem admiradores. Lamentável, para todos os envolvidos, incluindo na roda quem gostar.
Se não fosse a aura de homofobia extrema que paira sobre uma personagem que é simplesmente o segundo nome do elenco, Quem Fizer Ganha já incomodaria demais. Porquê, tirando o acobertamento de um crime (porque sim, violência contra pessoas trans por sua simples condição é crime), não existiria um motivo específico para que tal filme recebesse qualquer atenção. Não passa, na superfície, de uma produção com cara de apressada, mas que consumiu anos de produção. Na tela, temos uma ‘sessão da tarde’ preguiçosa, com mais clichê do que uma narrativa é capaz de suportar, e cujo humor é baseado na manutenção de estereótipos ligados à um povo. Como se o grupo mostrado não tivesse qualquer sintoma de responsabilidade ou comprometimento, e isso fosse visto como algo menor, e precisasse ser “consertado”.
Em teoria, Waititi fez o que é aconselhável a quem chega no ponto em que ele chegou. Após a consagração no Oscar, o freio de mão puxado e uma saída estratégica para uma produção descompromissada é o ideal a ser feito. Ele escolheu então se dedicar a história do pior time de futebol da História, cuja derrota histórica de 31 x 0 para a Austrália, nos faz suspirar aliviados com nosso 7 x 1. Quem Fizer Ganha se assemelha a um sucesso surpresa dos anos 90, Jamaica Abaixo de Zero, onde também tínhamos um grupo improvável com mais coração que talento no lugar onde se enfiaram. Não há nada de novo nesse roteiro, e isso não é exatamente um problema; não ter qualquer traço de personalidade, ou mergulhar consciente em discurso de ódio deliberado e ainda fazer graça com tal situação, isso sim é.
Existe, para além da forma como uma mulher trans é tratada dentro de um filme de comédia, um olhar altamente condenatório sobre os costumes e tradições sociais do lugar que eles deveriam homenagear. Quem Fizer Ganha é quase integralmente passado na Samoa Americana, uma ilha dentro dos EUA, que na época dos eventos do filme tinha menos de 40 mil habitantes. Extremamente religioso e com uma postura perante a vida de leveza e até uma certa pureza, tais hábitos são mostrados como algo semelhante à atraso, e sua conduta posicionada como descomprometimento com suas obrigações. Repito, isso tudo está inserido em uma comédia, ou seja, tais situações são palco para esquetes de humor que mais trata tais pessoas como tolas e infantilizadas do que como dignos de ser homenageados.
Jayiah, vivida pela bela Kaimana, é uma figura de tal destaque em Quem Fizer Ganha, que é justamente sua personagem quem define a trama em seu clímax. Sua figura evoca realeza e a mitificação local em relação à sua figura (chamada de fa’afafine, uma espécie de terceiro sexo) poderia render, sozinho, um outro filme – um bem melhor, se fosse dirigido por alguém com talento. Ficamos excitados com a possibilidade dessa trajetória ser desenvolvida, mas o filme prefere centrar olhar sobre o técnico britânico caído em desgraça chamado para dar um jeito nos “preguiçosos”. Com isso, Jayiah acaba por se tornar mais um alívio cômico e uma figura vilipendiada até quando o roteiro acha que a está protegendo. Não vejo, fora em momentos onde o filme precisa exotificá-la, tratamento respeitoso do filme consigo. Apenas uma sequência atrás da outra que se equilibra entre o humor, o exotismo e a desgraça.
Com certeza serei acusado de colocar minha ojeriza prévia à frente de uma análise mais isenta. Isso só pode ser declarado por quem efetivamente não conhece meu trabalho, já que quem o faz sabe de minha isenção independente do título assistido e das minhas análises prévias acerca de qualquer coisa. De resto, eu nem sabia sobre o que eu iria assistir, e o resultado é o que vemos. Quem Fizer Ganha nunca vai além do entretenimento raso e desrespeitoso, e jamais chega até qualquer lugar que não seja o esquecível. Não faz sentido que profissionais do naipe de Michael Fassbender ou Elisabeth Moss estejam aqui. Decerto alguém que os odeia demais os chantageia com imagens de ocultação de corpos, obrigando-os à singela tarefa de arranhar suas carreiras. A de Waititi, somente recauchutagem e polimento geral pode livrar-se de tanto auto apedrejamento em sequência.
Um grande momento
Na verdade, ouvir músicas – ‘9 to 5’, ‘Chandelier’ e ‘Everybody wants to rule the world’