Crítica | Festival

Sob o Céu Cinzento

Indivíduos que agem

(Pod szarym niebem, POL, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Mara Tamkovich
  • Roteiro: Mara Tamkovich
  • Elenco: Aliaksandra Vaitsekhovic, Valentin Novopolskij, Palina Chabatarova
  • Duração: 81 minutos

A Bielorrússia vive uma situação de tensão constante. Com eleições pouco confiáveis, há 30 anos o país se vê sob a ditadura de Alexander Lukashenko. Rebeliões são combatidas com violência desproporcional e opositores do regime são julgados e punidos sem explicação ou investigação, seguindo o desejo estatal. A imprensa, obviamente, é controlada e a censura é uma política de governo. O clima que impera no país, e mais especificamente no fervilhar dos protestos pós-eleições 2020, dita o tom de Sob o Céu Cinzento, dirigido por Mara Tamkovich: o estado de angústia contínuo vivenciado por aqueles que são contrários ao regime.

O longa é inspirado na história real da jornalista Katsiaryna Andreyva, presa ao filmar os protestos contra o assassinato do jovem Raman Bandarenka, em um local conhecido como Praça da Mudança. Três dias antes de uma grande manifestação que tomou conta da capital Minsk, ele fora espancado e morto por tentar impedir policiais à paisana de destruírem faixas que simbolizavam o repúdio ao resultado da obscura quinta reeleição de Lukashenko. Reproduzindo o momento, a ansiedade do início do filme é crescente. 

Tamkovich explora a tensão que toma conta das ruas e a potencializa ao confinar suas personagens dentro de um apartamento. Num jogo agoniado de cortes e movimentos de câmera, naquele espaço restrito, Lena e Ola não só observam o caos que explode fora das janelas, como se esforçam para registrar e transmitir tudo isso à audiência da Belsat TV. O curto espaço de tempo que se passa entre a descoberta das duas jornalistas em meio ao violento ataque das tropas da polícia bielorussa contra a população manifestante, sua insistência em permanecer no ar e a chegada da polícia é alongado, confundindo a percepção.

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Após a detenção, um outro importante personagem ganha mais destaque, Ilya, marido de Lena (inspirado no jornalista Igor Ilyash). De posição ideológica igual a de sua esposa, ele acredita que a melhor forma de combater o regime seja outra. Embora haja cumplicidade e amor, o embate de ideias e o conflito entre posições – de um lado a apatia pessimista e de outro a esperança combativa – está sempre entre eles. Enquanto ela está presa e ele tenta reverter a situação, começando a viver a realidade de outra maneira, a compreensão do outro, ou melhor, da outra, vai se estabelecendo.

Em uma realidade onde as expectativas são as piores, e onde as possibilidades de mudança parecem distantes demais, Sob o Céu Cinzento registra a esperança na busca da transformação que começa por cada um. Há um olhar interessante para os papéis do indivíduo, em relação à sua vida privada e ao seu papel social; em como se percebe cada uma de suas atitudes quando relacionada aos que estão próximos à ele. A mesma ação pode ser vista como egoísta ou altruísta, a depender da perspectiva.

Quanto ao quadro geral, a ansiedade inicial não segue frenética por todo o longa. Replicando o cotidiano de sistemas e regimes onde haja insatisfação popular evidente, motivos para protestos e momentos de conflito são específicos, assim como as ações individuais tornam-se mais relevantes. Porém, a tensão é contínua. Quando se fala daquele que baniu a própria esposa, disse que Covid se cura com vodca, segue fraudando eleições há mais de 25 anos e não vê problemas em mandar sua polícia agredir e prender milhares de pessoas que são contra seu governo, não teria mesmo como ser diferente. 

Um grande momento
Batem na porta

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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