Crítica | Festival

Restless

A paz que não veio

(Restless, GBR, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Jed Hart
  • Roteiro: Jed Hart
  • Elenco: Lyndsey Marshal, Aston McAuley, Declan Adamson, Denzel Baidoo, Gillian Daniels, Peter Dean, Matt Emery, Kate Robbins, Barry Ward, Kate Webster
  • Duração: 89 minutos

Chega um momento em que a vida muda o sentido, pelo menos para quem exerce qualquer tipo de cuidar materno (ou paterno). Esse cuidar tão intenso e tão presente se transforma quando os filhos saem de casa para viver suas próprias vidas. É esperado, mas a transformação da rotina é complexa para quem a vive. A Síndrome do Ninho Vazio vem dobrada para Nicky, que tem que se adaptar não só com a partida do filho para estudar em outra cidade, mas também com a morte do pai, seu vizinho, e de quem cuidava todos os dias.

Em sua estreia na direção, Jed Hart parte desse momento, mas sem pensar no lugar comum da ausência. Ele olha também para um outro lado, com uma atenção para a descoberta e a liberdade, num jogo imagético que indica os rumos de seu filme, bem diferentes daquilo que poderia ser antecipado. Indo além do que se mantém no cotidiano de sua protagonista, a contraposição de cores e texturas na apresentação de Nicky é divertida e reflete bem a experiência. A frieza e ausência de cor britânica incorporada à sua realidade é interrompida por suas criações a la Hannah Swensen na cozinha, todas, obviamente, esteticamente criadas de forma mais elegante e primorosa do que as da cozinheira detetive. As interrupções são capazes de deixar a ruptura que guia a trama mais chocante.

Seguindo uma trilha inusitada, Restless encontra uma mulher cansada, sozinha, reclusa e naturalmente cuidadora que finalmente achou um tempo para si. Depois de encher seus momentos com músicas suave e dias iluminados, a atira num inferno. Sem descanso, exatamente como diz o título do filme. Tudo porque quem se muda para a casa ao lado é Deanno, um amante de festas infinitas e que não tem a menor preocupação com decibéis ou horário de descanso. O que começa com um “é apenas uma festa”, se repete infinitamente, todos os dias da semana, e, mais do que o suplício de uma noite, acaba virando uma guerra entre os dois vizinhos.

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Lyndsey Marshal (Não Ultrapasse) está ótima como Nicky. Ela determina o tom da personagem e é convincente em sua degeneração, com os nervos cada vez mais em frangalhos, bem como em sua transformação em alguém consumida pela ira. Do outro lado, também seguro do papel, está Aston McAuley (Rocketman) como o ser insuportável e egoísta que passa a atormentar sua vizinha. Mesmo sabendo que a principal força do filme está na atuação de Marshal, Hart explora bem os dois atores e a dinâmica que se estabelece entre eles.

O diretor aposta no humor para a sua história de caos, recriando e dando outras notas ao seu conto de ninho vazio. Em sua divertida e não tão evidente metáfora, leva o desespero da solidão a outros lugares – e níveis – e é original ao demonstrar a destruição das estruturas do passado de Nicky. É a casa perfeita que não suporta a vibração, o cuidar dos outros sem nenhum retorno na necessidade, a experiência com pessoas que não serve para todas elas e a consciência dos próprios limites, ou melhor, da falta de limites.

É possível identificar as referências do cinema britânico em Restless, no tom dos personagens, no crescente da angústia e, especialmente, após a segunda virada, mas o modo como tudo se aproveita e a abordagem temática fazem com que o longa encontre a distinção. Com um ritmo eficiente e muito humor, apesar de não haver um total equilíbrio entre as partes, as situações absurdas e extremas fazem o espectador querer estar o tempo todo junto a essa protagonista para ver onde sua jornada vai levar.

Um grande momento
A explosão

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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