- Gênero: Documentário
- Direção: Sandra Kogut
- Roteiro: Sandra Kogut
- Duração: 102 minutos
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O 8 de janeiro de 2023 já se consolidou como uma das imagens mais tristes da história recente do Brasil. O país assistiu ao Congresso, ao Palácio do Planalto e ao STF serem invadidos e depredados por multidões que se recusavam a aceitar o resultado das urnas. Foi um momento doloroso, mas também um retrato da relativização da verdade, distorcida até o limite por narrativas fabricadas. Não bastasse a cena explícita do quebra-quebra em Brasília, parte do mesmo grupo que o protagonizou construiu versões paralelas, negando a própria violência ou atribuindo-a a inimigos imaginários. A negação, alimentada por teorias conspiratórias que já circulavam muito antes das eleições e permanecem vivas até hoje, transformou a realidade em campo de disputa.
No Céu da Pátria Nesse Instante, de Sandra Kogut, chega ao caos como uma tragédia inevitável e volta os olhos para a construção lenta que o antecedeu. O documentário se ancora no período eleitoral de 2022 e adota um dispositivo interessante: acompanhar durante um ano inteiro eleitores, além de mesários e cabos eleitorais. Essa escolha aproxima o espectador de um cotidiano que revela, nos gestos pequenos e nas conversas casuais, as fraturas profundas do país.
O filme não ignora as urnas eletrônicas como alvo preferencial da campanha de desinformação. A cada nova fake news, a confiança no processo eleitoral era desgastada, até que a dúvida se transformou em certeza para muitos. A corrosão dessa confiança aparece na fala dos entrevistados e nos silêncios registrados pela câmera, mostrando como a desconfiança se infiltrou nas casas, nos bairros e até nas relações familiares.
O 8 de janeiro não aparece apenas como consequência, mas como espelho daquilo que se via nos meses anteriores. Está na desconfiança, no medo e na raiva e numa escalada de mentiras que se tornaram certezas. O que Kogut registra em O Céu da Pátria Nesse Instante é um Brasil em que a democracia se tornou um campo de batalha e onde a própria ideia de verdade se fragmentou.
A força do filme está em não buscar o espetáculo, mas em expor a fadiga democrática de um país que foi envenenado pelo discurso de ódio e pela manipulação. Os ataques de 8 de janeiro são o clímax visível de uma erosão que já estava em curso, e Kogut recusa a tentação de transformar esse caos em mero episódio, colocando-o como parte de uma doença mais profunda.
Assistir hoje ao documentário é também reviver a angústia daqueles meses. O sentimento é de retorno a um tempo em que a democracia brasileira parecia prestes a desabar, tomada por discursos de ódio e por teorias conspiratórias que ocupavam todos os espaços de convivência. Essa lembrança ainda dói, e os efeitos desse período permanecem vivos.
Quando se olha para o horizonte, não há uma solução possível. No Céu da Pátria Nesse Instante, ainda que tenha defeitos, alcança a realidade de uma sociedade fraturada, que não consegue mais se entender. Eficiente no modo como demonstra que os anos anteriores à eleição corroeram a confiança, abrindo espaço para que o delírio coletivo se tornasse possível, não é um filme que busca uma explicação única. Mas ele deixa que as imagens falem por si e aquela que fica marcada, a de Brasília destruída, é o reflexo de um país em pedaços. E esse estilhaçamento, sabemos, está bem longe de ser remendado.
Um grande momento
No meio da multidão


