Crítica | Festival

Futuro Futuro

Partindo do vazio

(Futuro Futuro, BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Ficção Científica
  • Direção: Davi Pretto
  • Roteiro: Davi Pretto
  • Elenco: Zé Maria Pescador, João Carlos Castanha, Carlota Joaquina, Clara Choveaux, Higor Campagnaro
  • Duração: 87 minutos

O futuro imaginado por Davi Pretto é feito de ruínas e esquecimentos, não de promessas. O que se vê em Futuro, Futuro é uma distopia brasileira onde a lembrança é apagada, a memória se dissolve e o presente se torna um peso impossível de carregar. Entre tempos sobrepostos e realidades fragmentadas, o filme destaca e questiona quem pode existir quando já não há passado para sustentar o amanhã?

A memória aparece como sombra em cada cena, numa atmosfera que hesita entre sonho e apagamento. Em Futuro Futuro, Davi Pretto constrói uma distopia brasileira onde a ausência de lembrança vira sintoma — é o presente que pesa e torna impossível decifrar o destinatário. O filme trafega entre tempos, mistura realidades e fabrica o vazio. Quem somos nós quando não sabemos de onde viemos?

A tensão cresce na forma como o longa encena universos distintos e desiguais. De um lado, a escola, que funciona como espaço de comunidade, de convivência e de aprendizado coletivo, lugar onde quem tem menos se reconhece na presença do outro. De outro, os privilegiados, confinados em condomínios e muros de proteção, cercados mas não vigiados, imobilizados pelo medo e pelo preconceito. A dualidade marca a narrativa e traduz, em imagem, o classismo e o abismo social.

O filme é forte quando aposta nesse trânsito entre realidades, criando uma atmosfera incômoda em sua estetização. A montagem fragmentada sugere um futuro desorganizado, que já não sabe como se contar. O suspense aparece no que não é mostrado, no silêncio que se prolonga e no olhar que insiste em demorar mais do que deveria. Pretto se sai bem no tensionar e soltar, no criar a expectativa e frustrá-la em seguida, num jogo que prende o espectador ao desconforto.

Nesse percurso, a inteligência artificial aparece como dispositivo narrativo e sua utilização é interessante enquanto ideia. As vozes, os ruídos e a sensação de deslocamento que ela provoca funcionam como comentário sobre um presente tecnológico que já não reconhece seus limites. Porém, a execução às vezes deixa escapar o impacto, oscilando entre a força simbólica e a fragilidade estética.

O problema maior surge quando o roteiro se entrega a uma busca vaga demais. A intenção de explorar o vazio e a ausência de memória é válida, mas ao insistir em alongar a jornada sem pontos de ancoragem, o filme perde parte da intensidade que construiu. Há momentos em que a densidade dá lugar à dispersão, e o fascínio inicial se converte em distância.

Ainda assim, Futuro Futuro é interessante. Ao criar universos que colidem, tempos que não se encaixam e imagens que se reinventam, se torna uma experiência inquieta, que se recusa à previsibilidade. Mesmo irregular, provoca a sensação de que é possível, sim, inventar futuros a partir do vazio.

Um grande momento
O retorno ao afeto

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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