Crítica | Festival

Honestino

Lado a lado com o drama

(Honestino , BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Documentário, Drama
  • Direção: Aurélio Michiles
  • Roteiro: Aurélio Michiles, André Finotti
  • Elenco: Bruno Gagliasso
  • Duração: 85 minutos

Ainda bem que Aurélio Michiles (diretor do premiado Segredos de Putumayo) não realizou um docudrama. Ao invés disso, ele resolveu contar a história de Honestino Guimarães, líder estudantil em 1968, aluno da UnB e presidente da UNE, como um documentário tradicional. E, como se fora paralelo a isso, ele costurou uma dramaturgia inusitada, como se fora um monólogo, para que pudéssemos entrar em contato com seus sentimentos, suas angústias, e ouvir sua voz, ainda que movida por outra pessoa. No caso, um desafio para Bruno Gagliasso de muitas maneiras, a começar pelo paralelo que ele faz em Marighella e esse Honestino, e a maneira como seria destrinchar aquele novelo através de uma edição curiosa, mostrando aos docs que nem sempre o tradicional fará sentido. 

Essa dobra que o filme faz no formato não é novo, talvez a dedicação ao molde é que seja. Também a qualidade com o qual cada aspecto é tratado, sem diminuir as camadas em questão. A ideia mais tradicional em Honestino tem algo mais a revelar sobre as entrevistas feitas, em que muitos dos participantes conheciam diretamente o protagonista, como participaram ativamente das ações que fizeram sua trajetória. Mas são as curvas apresentadas pelo monólogo cinematográfico protagonizado por Gagliasso que chamam a atenção, porque não somente são bem concebidas, como tem desenvolvimento chamativo, sem a cafonice que os true crimes têm trazido para a discussão fílmica. 

Aqui, vale a qualidade da execução coletiva desses desabafos do personagem-título, seus momentos de aflição, excitação e medo. Mas não é necessariamente com a qualidade do texto que fica impresso, mas com o apuro do diretor para seus planos e sua proposta. Nada é explorado com o intuito de promover esteticismo na narrativa ligada a ditadura, e provavelmente por culpa também de Michiles ter integrado esse grupo, as abordagens de filtros e composição dramática contém sobriedade fora do esperado, elevando o material e criando um conjunto positivo ao que se acompanha, como um todo. Integrados, os tomos de Honestino montam uma ideia mais experimentada ao projeto, que acaba criando uma motivação especial para sua existência. 

A performance de Gagliasso, especificamente, guarda muita sutileza. Convidado para o projeto após Michiles assistir sua interpretação na estreia de Wagner Moura na direção, a ironia é um ponto acertado da escalação. E o ator de muitos recursos revela uma de suas camadas mais introspectivas aqui, que não é comumente encontrada em seus trabalhos na TV. Com a experiência que tem de mais de 25 anos de carreira levam o ator a se comprometer com o silêncio, com sua porção menos explícita, e com um olhar mais afável à melancolia. Não somente estamos diante de uma postura mais sincera para com o que é falado, como essa face do ator até permite que ele encontre a explosão em raros momentos. É nesse momento que as qualidades de sua performance são reveladas. 

A fotografia de André Michiles exemplifica o que o filme pretende entregar. Existe energia explícita na produção, mas as luzes do filme nunca estão concentradas na quentura do seu material. Para que a potencialidade seja expressa na tela, a paleta de Honestino busca um lugar de equilíbrio dentro do que era o período. Se enquanto os depoimentos são dados, as observações de plano são contínuas em cada novo entrevistado, para a dramaturgia o filme passeia por lugares que não limitem sua amplitude. Quando o personagem chega ao Rio de Janeiro, por exemplo, o filme se enche de uma luz branca que parece refletir não apenas a cidade, mas a nova especificidade de momento de seu personagem, encantado com uma paternidade que não conseguiu aproveitar a contento. 

No fim de sua projeção, o saldo acerca de Honestino é superior justamente pela forma como a dramaturgia é encarada pela produção, com tanta ou mais seriedade quanto o olhar documental em questão. Mas também é ela responsável por revelar as melhores camadas de cada posição de fala. Os personagens ao redor de Honestino o ilustram e complementam sua importância histórica, ainda que a camada pessoal pareça diminuída. É um olhar sobre um dos grandes nomes da resistência do país em seu pior período, aqui trajado dessa importância sem messianismo, onde a humanidade poderia até revelar mais sobre o homem por trás de um verdadeiro mito. Esse sim.

Um grande momento
Honestino deita no colo da filha: uma foto

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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