Crítica | Festival

Fábulas Sombrias

Irmãos malvadeza

(Favolacce, ITA, SUI, 2020)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Damiano D'Innocenzo, Fabio D'Innocenzo
  • Roteiro: Damiano D'Innocenzo, Fabio D'Innocenzo
  • Elenco: Elio Germano, Tommaso Di Cola, Giulietta Rebeggiani, Gabriel Montesi, Justin Korovkin, Barbara Chichiarelli, Lino Musella, Ileana D'Ambra, Max Malatesta, Aldo Ottobrino, Cristina Pellegrino, Giulia Melillo
  • Duração: 98 minutos

O cinema europeu vem sendo acusado nos últimos anos de assumir uma postura misantropa em relação ao mundo, desprezando suas convenções, criando estratagemas para manipular personagens perversos, sentindo prazer em provocar caos social e emocional nos seres retratados, como uma criança queimando insetos com uma lupa. Cineastas como Michael Haneke, Lars Von Trier, Ruben Östlund, Yorgos Lanthimos e tantos outros recebem essa alcunha com certa frequência, mesmo que na maioria das vezes construam universos onde tais representações sejam justificadas pela construção de suas narrativas, suas ações e reações. Fábulas Sombrias, em cartaz no 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, tem orgulho de fazer parte dessa fatia do mercado.

Os irmãos Damiano e Fabio D’Innocenzo entregam uma provocação em seu segundo longa-metragem, mas a custo do quê? O que move os personagens, como se convenciona suas curvas dramáticas, onde se constrói sua base? Ao que tudo indica, seu traço autoral busca demolir a hipocrisia vigente que estampa as relações sociais hoje, demolindo barreiras que separam adultos e crianças, pais e filhos, alquebrar as posturas que regem os acordos tácitos entre famílias que nunca precisaram ser explicitados. Ao filmar o manancial de ruínas de seus personagens, os irmãos italianos claramente se divertem com as feridas alheias e tentam escalar uma montanha de constrangimento que parece não ter fim, ou limites.

Fábulas Sombrias

Em cena, histórias correm paralelas acompanhando núcleos familiares disfuncionais, todos com uma característica em comum, que é a presença de crianças em todos os casos. Mas se engana quem pensa que se tratam de figuras inocentes; tantos os responsáveis quanto seus herdeiros caminham por zonas recheadas de estranhezas, bizarrices e violência constante, seja ela física, moral e até mesmo sexual, ainda que poucas delas se desenrole da maneira esperada do que essas questões costumam se apresentar. Tudo isso faz parte da estratégia do filme de constantemente renovar as expectativas do espectador para com a narrativa, mesmo que as justificativas do roteiro pouco funcionem, ou mesmo se apresentem.

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A sensação, ao assistir a Fábulas Sombrias. é de que a intenção era enumerar o maior número possível de agressões psicológicas de parte a parte aos personagens, que seguem se agredindo mesmo quando não parecem estar fazendo exatamente isso; os motivos, seguem desconhecidos. Tudo é gratuito e despropositado, em esforço coletivo para agredir em graus cada vez mais assustadores. Pais surram filhos, crianças se apresentam em situações sexuais, choros histéricos começam e se encerram de maneira igualmente lunática, bebês são abandonados em carros, uma mulher grávida (e posteriormente puérpera) seduz uma criança, adultos promovem encontros sexuais entre menores de idade… e junto a essas sequências, praticamente todas possuem diferentes níveis de incômodo injustificados.

Fábulas Sombrias

Ainda que tecnicamente o filme apresente resultados satisfatórios em fotografia, montagem e direção de arte, a misantropia excedente na produção sem qualquer gancho para sua presença cala esses dados, assim como o trabalho coeso de um elenco capitaneado por um dos mais premiados atores da História do cinema italiano, “o muito jovem para esse título, e por isso mesmo tão impressionante” Elio Germano (de A Vida Solitária de Antonio Ligabue, em cartaz no festival). A apreciação de todos esse elementos é truncada por esse roteiro cheio de alusões também a misoginia e que foi inexplicavelmente premiado no Festival de Berlim do ano passado.

Pleiteando uma vaga entre os cineastas odiados da atualidade por conta de um posicionamento narrativo não apenas agressivo como datado, infrutífero e descabido, os irmãos D’Innocenzo, apesar de tudo, encontraram uma vaga de discussão, em uma fatia cinematográfica que geralmente é injustamente atacada, mas com eles se mostra acertada. É o que acontece quando não se apresentam motivos para que a violência se justifique, é apenas cometida; sem debate e apenas refém das consequências, Fábulas Sombrias não encontra respaldo no prazer que demonstra em ser malvadinho, que provoca uma gargalhada ao assumir verbalmente não saber o porque de tudo aquilo. Nós percebemos bem antes do desfecho, meninos…

Um grande momento
A piscina

[8½ Festa do Cinema Italiano 2021]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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