Crítica | Outras metragens

A Casa do Amor

A sós

(La casa dell'amore, ITA, 2016)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Luca Ferri
  • Roteiro: Luca Ferri
  • Elenco: Bianca Dolce Miele, Natasha De Casto, Walter Zombie Ainardi, Umberto Baccolo
  • Duração: 39 minutos

Ao pensar em ‘A Casa do Amor’, longa que participou do último Festival de Berlim e que está na competição do For Rainbow deste ano, o sentimento que vem primeiro à cabeça é o da solidão. Bianca Dolce Miele (esse codinome que remete ao primeiro sucesso de Xuxa, ao menos para o público brasileiro, é de uma estranheza ímpar) é uma mulher trans que o filme flagra no meio do processo de transição e que vive na Itália uma existência que, embora não lhe falte atividades e até companhias, exala uma melancolia daquelas que observamos em quem precisa de um abraço e ainda não conseguiu um. De alguma forma, sua figura desafia o espectador em sua empatia, por se tratar de alguém que aparenta estar sentido com a própria independência.

O diretor e roteirista Luca Ferri não tenta agradar o público de maneira alguma. Trata-se de um longa imersivo, que faz uma leitura nada óbvia sobre uma pessoa que não tenta se abrir com facilidade, ou que pretende criar novas pontes emocionais com seu entorno; Bianca vive de uma forma consciente com suas limitações interativas, sem se isolar do mundo, mas estabelecendo limites-padrão para que o principal seja alcançado – mostrar sua verdade ao universo exterior ao seu, sem paternalismo ou uma tentativa fácil de comoção. Unidos, diretor e personagem, se refugiam em uma atmosfera de acesso restrito a quem não estiver disposto a cavar. 

‘A Casa do Amor’ não exala aproximação com o público. O carisma de seu personagem central, que existe, é conseguido através de uma percepção muito particular junto ao caráter observacional que o próprio filme abriga, rastejando aos poucos rumo a uma personalidade forte, e ao mesmo tempo que guarda inúmeros enigmas nada facilmente identificáveis. Bianca é idiossincrática, vive em uma margem muito da sociedade atual, agregando seu entorno debaixo de suas asas, ao mesmo tempo que está inserida em uma redoma criada pelo whatsapp, com suas possibilidades de afetos remotos e distanciamento não identificável. 

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Além do próprio protagonista, Ferri dotou seu longa de uma atmosfera soturna, algo sensorial e muito sensível, ainda que em uma chave abrasiva e distanciada. É um filme repleto de ‘chiaroscuro’, sem muitas brechas para uma paleta solar fazer sentido dentro daquela narrativa, além de tentar sempre adequar essas decisões a uma personalidade de grande capacidade de introspecção. O filme forra essa jornada com luz baixa, e uma fotografia que se apropria da iluminação difusa, constante utilização de velas e grande capacidade de distanciamento emocional, e através disso comunicar de diferentes formas no seu lugar escolhido. 

Aos poucos, compreendemos Bianca, e nos afeiçoamos àquele ser em mutação constante e concordamos com suas escolhas, estéticas e/ou emocionais, porque soa tudo coerente dentro do universo elíptico apresentado. ‘A Casa do Amor’, enquanto projeto, nasce de um lugar ambicioso de leitura muito específica de um estudo de personagem, mas não um personagem qualquer, mas um daqueles que não pede nossa complacência ou mesmo nosso afeto. Bianca Dolce Miele é uma figura tão fascinante, e arredia, e profunda, e distante, e nesse múltiplo lugar de sugestão para leituras, acabamos enredados em seus mistérios, e na sua compreensível melancolia.

Um grande momento
Bem que se quis

O crítico viajou para o 15º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura de Diversidade Sexual e de Gênero a convite do evento

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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