Crítica | CinemaDestaque

Clube Zero

Tons agudos

(Club Zero, AUS, RUN, EUA, ALE, FRA, DIN, TUR, CAT, BOS, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jessica Hausner
  • Roteiro: Jessica Hausner, Geraldine Bajard
  • Elenco: Mia Wasikowska, Ksenia Devriendt, Samuel Anderson, Luke Barker, Florence Baker, Sidse Babett Knudsen, Elsa Zylberstein, Mathieu Demy, Sam Hoare, Amanda Lawrence, Gwen Currant
  • Duração: 105 minutos

Tiveram alguns filmes mal falados no último Festival de Cannes, que foram esquecidos assim que o evento se encerrou (Black Flies, é você?), mas talvez o filme que mais tenha gerado burburinho incômodo seja mesmo Clube Zero, que foi comprado para a estreia nos cinemas apesar disso. Querem saber? Ainda bem. Com toda a polêmica que o filme abriu, creio que se trata de uma produção que merece ser vista e debatida, ao contrário de pelo menos dois outros títulos que pintaram por lá ano passado (De Volta à Córsega, essa é pra você). O novo título dirigido por Jessica Hausner chegou a ser comparado a Triângulo da Tristeza, de maneira injusta: existe muito mais a dizer aqui, e seus propósitos parecem bem menos inúteis. 

Há alguns anos, Hausner viu seu Little Joe premiar a protagonista Emily Beechum também em Cannes, e sua nova produção saiu de mãos abanando, apesar de parecer que não iria. O que existe por trás de Clube Zero, para gerar esse debate? Não estamos diante do choque vazio, se é que existe algum elemento que promova debandada e revirar de olhos. Todo o contexto que sua autora apresenta tem embasamento e é sustentado por uma intenção digna, ainda que ela não consiga manter a sustentação o tempo todo. Existem muitos apontamentos a fazer, e o roteiro parece querer atender a todos possíveis; a conta final soa inchada pelo que quer mostrar, mas o incômodo é superestimado, quando sua discussão é sim válida. 

Existe um olhar central para líderes de matrizes duvidosas, que usam do carisma para disseminar seus valores e angariar novas figuras de domínio. Essa personagem aqui é a Senhorita Novak, uma nova professora a chegar em uma escola inusitada. A lição a qual é responsável é um curso de nutrição que tende a promover uma alimentação consciente entre os alunos. Embora pareça versar sobre os malefícios dos distúrbios alimentares, esse apenas é um ponto de entrada a respeito da disseminação de discursos totalitários entre grupos carentes de sociabilização. Aos poucos, Clube Zero desfolha novos temas e novas formas de olhar para cada um deles, mostrando uma ambição desenfreada para tratá-los e colocar discussões pertinentes em cima da mesa. Existe espaço para tantas? 

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Esse é o ponto de desequilíbrio da produção, que agrupa muitos assuntos, todos com texturas adequadas, com suas diferenças e semelhanças, mas que se agrupam de forma orgânica. O problema é que não existe espaço suficiente para tantos debates, que são colocados de forma explícita ou não, e cujo desenvolvimento até alcança um lugar bem intencionado, com resultados possíveis. Mas para uma produção de menos de 2 horas, onde são elencados tantas maneiras de abordar tais elementos concomitantes, Clube Zero não fornece toda a complexidade necessária para o que está sendo apontado, indo desde a sociedade de consumo desenfreado até a criação de novos messias, passando pela alienação na relação entre pais e filhos. 

O trabalho visual-imagético de Clube Zero é outro ponto agudo da produção, indo até pontos extremos. São cenários que chamam atenção pela demasia de elementos, ou por sua ausência completa. Igual situação é compartilhada nos figurinos, onde os personagens parecem viver uma realidade paralela, quase como se estivessem fantasiados. Algumas comparações com Wes Anderson me parecem descabidas, tendo em vista que no trabalho do cineasta os elementos parecem buscar uma adequação coletiva, enquanto aqui temos a impressão de que as decisões desandaram coletivamente. Não são exatamente ideias vazias de sentido, mas que muitas pessoas parecem ter opinado no resultado final, e a explicação possível não alcança todas as informações desencontradas. 

O quadro geral ele guarda acertos e erros, com algumas propostas que ficam no caminho, enquanto outras asseguram toda a extensão do material. Os personagens adolescentes, por exemplo, são bem desenvolvidos em suas particularidades, e se encontram em diferentes estágios de deficiência afetiva, como é comum na idade. Por conta disso, a confusão de que qualquer afeto possível é capaz de comprar sua atenção, surge como porta de entrada de discursos de dominação individual – todo esse campo é alcançado com assertividade. Em outros campos, Clube Zero apresenta seus argumentos, os defende e termina a abordagem, demonstrando que muito mais poderia ter sido feito pelo todo. 

Não é raro os momentos onde Clube Zero, ao não conseguir ir além na obscuridade de seus temas, pareça ainda mais artificial do que a entrega de seu visual. Ainda com tais deficiências, é impossível ficar indiferente a uma narrativa que defende suas ideias e ideais com tamanha paixão. Nos dias de hoje, encontrar uma cineasta que defenda suas camadas com as unhas e os dentes que Hausner o faz aqui, é louvável em toda a completude de sua ambição. 

Um grande momento

O almoço de Elsa com os pais

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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