- Gênero: Suspense
- Direção: Adam Randall
- Roteiro: Devon Graye
- Elenco: Helen Hunt, Jon Tenney, Owen Teague, Judah Lewis, Libe Barer, Gregory Alan Williams, Erika Alexander
- Duração: 98 minutos
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Eu vejo você. O título original de À Espreita do Mal é bem mais apropriado que essa tentativa de “demonizar” a narrativa de uma produção mais complexa que essa isca fácil para espectadores e abre as percepções do público para a ambiguidade apresentada na produção, e que imageticamente está explícita desde a abertura, com suas imagens sendo captadas em movimento constante na altura dos olhos, como se a própria câmera fosse um animal ao acompanhar sua presa. O filme explora esse recurso em toda sua metade inicial, repleta de estranhezas e bizarrices típicas do gênero, que funcionam porque sua feitura tem indiscutível charme.
O cineasta Adam Randall está apenas em seu terceiro longa, que acaba de ser disponibilizado pela Netflix, e já demonstra que consegue transmitir as sensações necessárias para erguer a estrutura emocional adequada em uma produção de gênero, porque não apenas rege a orquestra em sua totalidade, como consegue envolver o público nas questões que o filme propõe, que tem ramificações policiais, familiares, criminais e sociais, em informações dadas a conta-gotas mas sempre pertinentes para a montagem de um quebra-cabeça que é mais sagaz do que necessariamente surpreendente, e o resultado final chama a atenção pelo trabalho do diretor.
O roteiro é a estreia do jovem ator Devon Graye na função e, de fato, não se trata de um quadro de construção arquitetada em cima de originalidades, mas sim de pontos específicos muito caros ao cinema contemporâneo. O que se desenha a princípio como um quadro de reconciliação familiar mediante uma tragédia acaba se desdobrando para um conflito tão banal quanto crível, e que acaba sendo a porta de entrada para uma crítica social sem sátira, mas cuja gravidade não está exatamente no que o quadro explicita, mas no que ele omite ou embaralha nas entrelinhas, formando um mosaico sem perfeição de encaixe, mas ainda atraente.
À Espreita do Mal precisaria passar por uma consultoria de roteiro mais aprofundada para desenvolver e complexificar as pontas que o próprio filme já suscita, mas que parece tímido demais para ramificar. Não é por falta de deixas e pistas que o filme não adentra suas questões de maneira incisiva; de uma maneira mais recreativa que Bong Joon-Ho apresentou anteriormente, as questões de classe estão na pauta do dia e o filme tem consciência de seus intentos (“me desculpe, estou começando a me divertir”), ele não se esforça em dar um caráter mais assertivo à jornada de seus personagens, que parecem pinceladas sem acabamento.
Graficamente, há sim uma proposta mais bem desenvolvida pelo realizador. Randall compõe suas cenas de maneira levemente ousada, saboreando cada peça do seu jogo e dividindo com o público um projeto visual, como na cena onde banha o casal de protagonistas com uma acertada luz avermelhada até óbvia pro contexto, mas que funciona muito, ou quando o filme focaliza com certa apreensão os quadros da escadaria da casa ou o que ocupa a suíte de Jackie e Greg, duas mãos se segurando, quando não há nenhuma na narrativa. Com um trabalho de fotografia e trilha bem acentuados, o longa nunca deixa de entreter e principalmente causar estranheza.
Com um escopo maior do que pretendeu avançar, À Espreita do Mal causa uma leve decepção por justamente apresentar possibilidades reais de entretenimento elevado, com sofisticação e os pés fincados no agora. Que todos esses elementos estejam nos filmes, de maneira ostensiva ou tão acanhada que mal dê para notar, é um senão que não poderia ser sanado, sem perder os valores que fazem do filme uma produção de suspense acima da média, essas sim muito bem aproveitadas e embaladas com capricho.
Um grande momento
A abertura