Crítica | Streaming e VoD

Becky

Mais acertos que erros

(Becky, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Jonathan Milott, Cary Murnion
  • Roteiro: Nick Morris, Ruckus Skye, Lane Skye
  • Elenco: Lulu Wilson, Kevin James, Joel McHale, Robert Maillet, Amanda Brugel, Isaiah Rockcliffe, Ryan McDonald, James McDougall, Leslie Adlam
  • Duração: 93 minutos

Os cineastas Jonathan Milott e Cary Murnion só trabalharam juntos até agora, e Becky é seu terceiro longa metragem, tendo os três a mesma essência transgressora, cheia de picardia e uma pitada cômica (aqui, apenas um toque sutil, muito mais uma possibilidade que não necessariamente é cumprida) que acompanha suas narrativas. O que essa nova produção apresenta de camada é uma sofisticação imagética que antes tinha sido apenas preconizada, e aqui irrompe sorrateiramente por uma narrativa de aparência banal e corriqueira, mas que pouco a pouco reverbera uma ousadia que vai além da narrativa e alicerça seu requinte na construção de seus planos.

O filme remonta uma estrutura clássica do cinema, aquela onde agentes de ação invadem uma propriedade e precisam lidar com a resistência, geralmente representada por um opositor que aparenta fragilidade. Há 30 anos, Chris Columbus apresentou seu filme mais bem sucedido, Esqueceram de Mim, que versava sobre esse tema de maneira bem-humorada. Aqui, algum sarcasmo dá um certo tom inicial, que rapidamente é transformado em cinema de gênero com uma certa ousadia, tendo em vista a idade da protagonista-título e das capacidades infinitas que ela demonstra ter ao longo da projeção – e que surpreende justamente por não ser de conhecimento geral.

Becky

Ao encontrar espaço narrativo para a inclusão de dois profissionais ligados a comédia, Becky cria no espectador uma sensação de conforto que não passa de uma armadilha. Joel McHale (de Ted) e principalmente Kevin James, um astro da comédia reconhecido por Gente Grande e Segurança de Shopping, dão uma assumida impressão errada ao filme, que se desfaz lentamente quando percebemos a natureza de seus personagens, o desenvolvimento da trama e as lacunas preenchidas gradativamente sobre cada um dos tipos centrais tornam a experiência ainda mais prazerosa, ainda que nunca avance além desse lugar.

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Isso se dá porque o filme quer mais apresentar suas situações, seu quadro de eventos e as consequências de cada ato, com a intensidade das suas imagens, do que necessariamente compor um painel sobre aqueles acontecimentos, que acabam pairando ligeiramente despropositados vez por outra. Ainda que o roteiro escrito a seis mãos seja econômico nas informações que recebemos de maneira uniforme (qual a origem exata dos vilões?, de onde surgiu a madrasta?, qual a função da chave? – esse último mistério até tem algum charme), o filme se esvazia de propósito, restando um material de composição elegante para um recheio irrelevante.

Becky

Sobra então a experiência visual, que se revela acima da média. com uma montagem muito eficiente de Alan Canant (do primeiro filme de Chloé Zhao, Songs my Brothers Taught me) e uma das trilhas sonoras mais expressivas que o cinema de suspense produziu ultimamente, a cargo de Nima Fakhrara. Com uns recortes agudos que emolduram sussurros humanos e um trabalho de sonorização igualmente especial, são as composições do filme um dos grandes responsáveis por elevar o material como um todo, uma espécie de campo aberto para as experimentações emocionais que o filme provoca, graças ao seu equilíbrio entre a discrição e a exposição, que não nos deixa prever se o próximo passo será respeitado.

Apesar da presença imponente que Kevin James apresenta, incluindo um impactante monólogo junto ao gigante Robert Maillet onde o ator apresenta um arsenal de nuances nunca apresentado anteriormente por ele, é Lulu Wilson quem realmente começa a despontar após Becky. Já experiente no “ramo” (tendo feito Annabelle: A Origem do Mal e Ouija: A Criação do Mal), Lulu controla a narrativa e toma o filme pra si mesmo quando não está em cena, com seu magnetismo natural, carisma infindável e talento evidente. Também através dela o filme é facilmente abraçado pelo espectador, apesar das qualidades e também dos problemas; a dona de Becky, um filme que mistura sofisticação e descompromisso, é sua intérprete.

Um grande momento
Lápis e régua

Ver “Becky” no Telecine

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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