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A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets

O povo unido...

(Chicken Run: Dawn of the Nuggets , RUN, EUA, FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Sam Fell
  • Roteiro: Karey Kirkpatrick, John O'Farrell, Rachel Tunnard
  • Duração: 100 minutos

Já estamos separados 23 anos do lançamento de A Fuga das Galinhas, um dos fenômenos mais curiosos do início da década passada. Uma animação de um estúdio relativamente jovem à época em seu primeiro longa metragem, a britânica Aardman acabou tendo no título uma porta aberta para um grupo de produções que ousaram enfrentar Hollywood em todos os sentidos. Com criatividade, bom humor e uma dose de picardia que nunca escondeu uma certa delicadeza, seus títulos em ‘stop motion’ se tornaram uma febre entre crianças e adultos. A Netflix resolveu então bancar essa continuação A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets, que viria a motivar a consagração de um ciclo de sucesso para a empresa, admirada por muitos graças a essa liberdade estética, ao radicalismo da forma como desenha seus afetos, e a comédia insana que sempre esteve ao seu lado. 

Peter Lord, que criou o estúdio em 1972 e dirigiu esse seu primeiro longa, aqui retorna apenas como produtor. Agora a direção ficou a cargo de Sam Fell, que foi indicado ao Oscar por ParaNorman, e aqui conduz com eficiência a árdua tarefa de reconstituir a trajetória de um neoclássico. O roteiro foi escrito a seis mãos, com mais CATORZE adicionais, entre consultoria e colaboração. Apesar disso, há coesão no que está sendo contado e em sua forma também, mas a verdade é que A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets demora a engrenar, e quase percebemos que o filme tem ciência disso. O ritmo inicial é travado, e a narrativa só atende a cacoetes de produções de outrora, quando um quadro social se expande e as noções de família, e do quanto as gerações respondem umas às outras, são de domínio público cinematográfico. 

Em boa parte do que seria o primeiro ato de A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets, o espectador se pergunta porque esperamos mais de 20 anos para esse filme ser produzido, tendo em vista que temos em mãos um arremedo de ideia. Dessas ideias que são apresentadas, quase nada consegue se vestir com a perspicácia que o original legou. Ao invés disso, parece que estamos olhando para um fetiche com a obrigatoriedade hollywoodiana de se mostrar uma vez mais, ainda que não haja qualquer motivo para tal. A indústria imagina que o público tem sede pelo reencontro e a nostalgia, isso é um dos motores de como essa ideia sustenta toda essa organização; estão certos. Mas é preciso ter um gatilho certo, um tempo certo, a pimenta certa para que sua engrenagem não esteja refém dessa armadilha que se alimenta ano a ano. 

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Quando então o filme apresenta seu novo cenário, celebra então pelo menos uma nova personagem, ameaça adentrar o universo LGBTQIAPN+, e relubrifica seu organismo de crítica social e luta de classes, o gatilho volta a fazer sentido. É a partir desse momento que A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets retoma um brilho que, sinceramente, não acreditava mais estar ali; está. Seu objeto volta então a ser tudo que fora no título original, e ainda que sua sustentação não tenha a mesma potência, está enfim justificada sua realização. Teria sido necessário que mais de 20 anos se passassem para que fosse entendido que os ideais de luta e liberdade são eternos, e uma vez experimentados, não podem ser suprimidos do indivíduo? Mesmo atrasada, a produção consegue vislumbrar em uma nova geração o que seu precursor mostrou lá atrás.

O humor tipicamente britânico está de volta, o que significa que nem tudo será engraçado por si só. Os interesses do projeto, como vemos a partir de uma nova reviravolta dentro do novo cenário, não é apenas colocar o saudosismo de volta nos trilhos, mas também reintroduzir os ideais presentes na saga. Sociedades que almejam fugir do totalitarismo precisam, acima de tudo, enxergar seus potenciais individuais para aderir ao modelo coletivo para alcançar seus objetivos. Nesse sentido, mais uma vez A Fuga das Galinhas é um produto que se entende politicamente e, a partir de então, equilibra o entretenimento necessário e agregador, aqui ainda mais consciente dos conceitos de família, enquanto foco de consumo. É um filme que se concentra na balança que construiu para si, entre o descompromisso divertido e a ordem social das coisas. 

Se não quer fazer alusão fechada a partidários, A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets também não foge deles. É bonito que uma produção que se entenda como de alcance e vocação popular, saiba que não precisa menosprezar a inteligência de seu público, podendo oferecer a ele diversão sofisticada e humor que sabe do seu requinte. Em paralelo, acompanhamos uma denúncia acerca da alienação provocada pelo mesmo coletivo que liberta. Há de ser necessário compreender o ambiente onde se vive, para que ameaças futuras não sejam capazes de vencer a força bruta da liberdade. 

Um grande momento

Galo forrozeiro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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