Crítica | Festival

A Hard Problem

Outros lados do luto

(A Hard Problem, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: hazart
  • Roteiro: hazart
  • Elenco: John Berchtold, Catherine Haena, Jennifer Hasty, Victoria Gabrielle Platt, Gavin Warren, Jennifer Pierce Mathus, Tacey Adams, Reatha Grey
  • Duração: 109 minutos

Tudo o que você sonha é ficção e tudo que você realiza é ciência, toda a história da humanidade não é nada além de ficção científica.

Ray Bradbury

A única coisa certa e inquestionável da vida é que ela é finita. Querendo ou não, um dia ela acaba. Mesmo assim, é muito difícil lidar com a partida daqueles que amamos. Saber que aquela pessoa simplesmente nunca mais estará ali, de uma hora para a outra, deixou de existir nesse mundo. O luto é um sentimento complexo, às vezes apaziguado pela fé, às vezes amplificado por circunstâncias diversas, mas é impossível não vivenciá-lo. A ficção-científica A Hard Problem acessa essa emoção com uma perspectiva diferente.

Depois de perder sua mãe, Ian fica com a dolorosa tarefa de empacotar as coisas da casa onde morava. Ao mesmo tempo em que se perde nas dolorosas lembranças, tem o seu luto desmerecido por todos à sua volta, quase como se fosse proibido de senti-lo. Em uma espiral crescente de dor, vai tentando entender o que aconteceu para que as coisas chegassem até aquele ponto, sem muito sucesso. O filme se baseia nesse suspense, fazendo com que flashbacks invadam o presente e se confundam na mente do protagonista e do espectador até que a relação fique clara.

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A Hard Problem

Questionando a inabilidade humana para lidar com a morte e pensando em um futuro muito viável dado o aprimoramento tecnológico, o filme traz questões já tratadas em outras obras como o episódio Be Right Back, do seriado Black Mirror. Porém, o que o duo hazart faz é inverter para quem se olha. Se há uma inteligência tão apurada sendo desenvolvida, o interesse vai para como as emoções se estabelecem, como processos humanos podem passar a acontecer em espelhamentos prefeitos. A abordagem do ponto de vista da máquina não é inédito no cinema, e já vimos como a ficção científica retrata a dor imediata da perda, mas aqui há um mergulho no luto que atinge camadas psicológicas muito profundas.

A dupla concebe seu futuro em detalhes, nos meios de transporte e instalações, mas mantém o ambiente doméstico preservado, com elementos “inteligentes” que já fazem parte do nosso cotidiano, o que dá a impressão de que esse o tempo retratado pode não ser tão impossível e nem estar tão distante assim. A questão das relações humanas é uma outra questão interessante, que também denota uma perenidade e constância social, seja na pena momentânea de Meg ou na mudança de comportamento de Olivia.

A Hard Problem

A Hard Problem caminha bem em seu enredo intrincado e ganha gás nos embates entre os irmãos, mas perde a mão quando as suspeitas do espectador se confirmam. Há toda uma dedicação à trama de perda e realização desta relação conturbada entre os dois que pouco acrescenta ao contexto geral, embora abra espaço para bons efeitos especiais. Porém, quando retorna ao presente e ao conflito principal, o de Ian consigo mesmo e seu futuro, o filme reencontra seu caminho.

Filosófico e curioso, A Hard Problem parte da certeza da finitude para a incerteza do limite que surge com um futuro cada vez mais próximo. A criação sai de um ponto e ganha dimensões ilimitadas, no sentir, saber e viver, superando o próprio criador e ninguém sabe muito bem o que fazer com isso. Panoramas imprevisíveis que só a ficção científica nos traz como alegoria para pensar na maneira como lidamos com a própria vida e a nossa dificuldade de seguir em frente, ainda que não haja outra opção. 

Um grande momento
O fim.

[Cinequest 2021 – Film & Criativity Festival]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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