Crítica | Outras metragens

A Menina e o Pote

Uma espécie de revolução particular

(A Menina e o Pote , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Valentina Homem
  • Roteiro: Valentina Homem, Tati Bond, Nara Normande, Eva Randolph, Francy Baniwa
  • Duração: 12 minutos

Se existe um paralelo entre dois filmes de produção recente possíveis no Brasil, esse diálogo nasce entre Dona Beatriz Ñzîmba Vita e esse A Menina e o Pote, de Valentina Homem. Dois curtas-metragens animados que nascem de uma dor muito específica relacionada à ancestralidade, aos ganhos e perdas que o indivíduo carrega quanto mais conhecimento ele adquire, e em como nenhum ato de cinema é separado de um outro ato, só que de natureza política. São inflexões que nascem de um sofrimento arcaico que não cessa, e que aqui é representado por uma personagem em função da descoberta constante, que não vê outro caminho possível que não o da progressão ininterrupta do olhar e do saber.

A Menina e o Pote apresenta sua personagem em constante descoberta e aprendizado, e talvez apresente com alguma dose de ousadia e um pouco de inocência as mesmas características para o mundo onde vivemos. Vem de um olhar quase infantil diante da novidade das coisas, das cores, dos formatos, dos saberes, e isso é uma das áreas que mais encantam nesse trabalho de Valentina. Não se trata somente de um lugar particular de compreensão do novo, da busca pelo entendimento da própria História, mas igualmente um descortinar desses mesmos elementos para um público igualmente novo. Nós também somos que chega a esses mesmos elementos, e os torna reconhecíveis. 

Mas partindo dessa afirmação de lugar de fala, de tomar pé de uma ambiência histórico-cultural seu e fazer disso uma voz particular, são onde entram as curvas que definem um olhar do filme sem o caráter civilizatório habitual. São peças apresentadas com o fascínio de adentrar tais mundos, tais realidades, mas sem a dureza e o didatismo de um projeto sem paixão; aliá, se há algo que transborda de A Menina e o Pote é a maneira apaixonada com que o filme se abre para o exterior. Suas cores ocres que acabam por transformar-se (de fato, e a partir dos nossos olhos) para um novo tempo de vozes e cores, são a síntese do que o trabalho quer dizer. 

Além disso tudo, da ancestralidade que é a base da criação de sua narrativa, outra perseguição natural de A Menina e o Pote é o reconhecimento de uma feminilidade constante, de descoberta mesmo. Como na fala de Simone de Beauvoir, ‘não se nasce mulher, torna-se’, Valentina mostra esse caminhar inicial pelo gênero (que também bebe um pouco do maravilhamento provocado pelo Carne, da Camila Kater) para acompanhar a juventude mais tenra devassada por essa missão do feminino. Com leveza, o filme não deixa de apontar tais novos mundos que são adentrados pelo corpo da mulher de maneira até violenta, mas que também servem para torná-la o que ela está destinada a ser. 

É uma jornada que sua diretora convida para que não percamos, conseguindo o equilíbrio necessário entre o mostrar e o ensinar. No meu espaço masculino, não sinto que Valentina tentou me fazer compreender algo que não me compete, mas que dividiu com todos nós uma fagulha de seu entendimento particular sobre a revolução que é o encontro com a própria feminilidade, e com a própria História. A suavidade do filme, não pode ser apagada pela sua força estética, e vice-versa, porque ambas caminham na direção de mostrar um mundo que sempre esteve aí, mas que precisa ser valorizado todos os dias – a empatia com o outro. No caso, As Outras. 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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