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A Outra História Americana

(American History X, EUA, 1998)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Tony Kaye
  • Roteiro: David McKenna
  • Elenco: Edward Norton, Edward Furlong, Beverly D'Angelo, Jennifer Lien, Ethan Suplee, Fairuza Balk, Avery Brooks, Elliott Gould, Stacy Keach, William Russ, Guy Torry, Joe Cortese
  • Duração: 119 minutos
  • Nota:

Sempre se falou do fascismo, sempre se falou da sombra neonazista que se espalhava na Europa. Não faltaram curtas e longas para avisar sobre o retorno errado que a humanidade pegou quando o modelo bannoniano de propaganda começou a tornar-se concreto. Ondas supremacistas, atentados nazi-fascistas começaram a aumentar pelo mundo e assumiu-se a posição desumana prevista. Presidentes que compactuam com a violência e o extermínio de negros, LGBTs ou qualquer outra minoria estão no poder agora, com uma poderosa máquina de disseminação virtual que faz vários países do mundo igualarem-se ao projeto de poder do Füher. É preciso, mais do que nunca, voltar a esses avisos de outrora, fazê-os ressoar e serem descobertos e conhecidos pelo mundo.

Um deles é A Outra História Americana, longa-metragem dirigido por Tony Kaye que conta a história de um skinhead preso por assassinar dois negros e que tenta salvar o irmão quando volta para casa. O filme segue duas linhas narrativas: um passado em preto e branco, exposto como um trabalho do irmão para a escola, e o presente, colorido, com o retorno de Derek à casa. Embalada por uma melancólica trilha sonora, composta por Anne Dudley, a história mergulha no universo doentio daqueles que optaram viver apenas do ódio ao diferente.

Edward Norton em A Outra História Americana (1998)

Derek Vinyard, vivido por um excelente Edward Norton (Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe), encarna duas pessoas. Não que uma apresente-se melhor do que a outra. A antipatia por seu personagem perdura após a quebra do gelo por seu companheiro de prisão, quando sofre a violência que prega ou até mesmo em seus momentos de desespero. Está com ele para sempre, assim como a suástica que carrega no peito. O personagem sabe disso e o diretor faz questão de expor o sentimento no modo como ele se olha no espelho.

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O filme centra-se em atos supremacistas que ostentam o ódio aos negros. Discursos racistas e xenófobos fazem parte da cartilha de Derek e de seus amigos. Os mesmo discursos que ouvimos hoje: “eles tomaram nossos trabalhos”, “eles sujaram o nosso bairro”, make America great again. Os atos do protagonista, mais do que o seu discurso, mostram que vidas não importam, são algo irrelevante. E há uma expansão, quando fala do estímulo ao racismo do próprio país, quando compara crimes e penas.

Edward Norton em A Outra História Americana (1998)

O roteiro de David McKenna dá pouca atenção a causas e centra-se no ódio, ainda que estabeleça a semente plantada. Seu interesse está na deturpação do indivíduo no momento em que a desumanização se concretiza. Personagens satélites confirmam a degeneração, em desrespeitos pontuais, como em qualquer interação de Seth, o no cinismo manipulador de Cameron. A arte que parece exagerada, mas pode não ser, expõe todos os símbolos nazistas que consegue. E Kaye não economiza no uso de objetos, dando destaque a coturnos, cruzes de ferro e fazendo contrapontos com a bandeira Norte-Americana.

A Outra História Americana perpassa situações históricas. Ali estão as agressões a Rodney King, o julgamento dos policiais e o levante em Los Angeles para alcançar o nível de cegueira propagandista que afeta pessoas que tem o fascismo dentro de si e resolvem assumi-lo. “O vídeo foi manipulado”, “o sistema carcerário é composto majoritariamente por negros”, diz Derek sem ouvir nada que seu interlocutor tenta dizer. Uma cegueira odiosa que não consegue ver qualquer outro lado que não seja aquele no qual quer acreditar.

A Outra História Americana (1998)

Mas Kaye não está satisfeito com discussões que terminam mal, ele quer expor o limite do mal. Assim, cria uma das cenas mais indigestas do cinema. E não precisa ser explícito para isso, basta recriar a perversidade em um plano e alguns segundos, mesmo que eles antecedam o fato em si. Está posto e vai ser visto, mesmo que não visto. O mais cruel, porém, está por vir. O choque de Danny, o irmão mais novo, mesmo que registrado numa cena que busca o tempo todo esse mal-estar do espectador, com câmera lenta e o trabalho corporal de Norton, converte-se em idolatria.

A Outra História Americana retorna, ainda que não explicitamente, à figura do líder, da massa, de uma micro sociedade que dá conforto à sombra junguiana e permite que ela se exponha. A origem, portanto, não explorada de forma clara, apresenta-se como uma possibilidade do humano que é incentivada pelo ambiente. Derek é o líder ausente que leva o irmão a seu destino. Voltando mais uma vez a Jung, vale lembrar o que ele falava quando tentava entender como a personificação de todas as inferioridades humanas – um ser “desajustado, irresponsável, de personalidade psicopática e com vazias fantasias infantis” – tornou-se líder. Sim, ele estava falando de Hitler, mas podia ser de Derek, ou de qualquer presidente supremacista, temos muitos, temos aqui inclusive.

Um Grande Momento:
No espelho.

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A Outra História Americana

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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