Crítica | Streaming e VoD

A um Clique de Distância

(Language Lessons, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Natalie Morales
  • Roteiro: Mark Duplass, Natalie Morales
  • Elenco: Mark Duplass, Natalie Morales
  • Duração: 90 minutos

Então o mundo não para de desconstruir o “desktop movie”, e, em algum sentido bizarro, manter os códigos do mesmo. Porque é como se diz, quando você insiste em não pensar sobre mim, você já está pensando. Então, quando você se debruça para reorganizar uma dita convenção, reinterpretando seus signos, ainda assim você já está naquela seara que, em tese, está trazendo nova configuração. Como o recém lançado Perfil, A um Clique de Distância assegura uma nova roupagem para esse título filmado a partir das convenções millenials de comunicação. Se o mundo hoje nos coloca como protagonistas de narrativas filmadas (muitas vezes por nós mesmos) em constância ininterrupta, nada mais natural que forjemos imagens para destrinchar essas narrativas. 

Acho muito válido observar a vida através dos meios de captura de imagem que nos seguem e regem hoje, e se dedicar a trazer novas possibilidades para esse movimento já assimilado pelo cinema. O terror foi o gênero que melhor e mais vezes assimilou os recursos do filmes de tela de computador, mas autores de diferentes vertentes estão dando seu olhar pra esse esquema. Baltasar Kormákur já se embrenhou pelo filme de espionagem política baseado em fatos, e esse novo lançamento da rede Telecine pega um ator símbolo do ‘mumblecore’ (Mark Duplass) e mixa esses dois universos. Realizar então uma ‘comédia-dramática-romântica-melancólica-agridoce’ me parece um desafio interessante à diretora e atriz Natalie Morales, que é plenamente realizado.

O que Morales consegue nessa sua tentativa de invadir esse subgênero nascido no cinema indie americano há uns 20 anos e que se recusa a morrer é louvável. Parecido com o que Kormákur conseguiu no lançamento do mês passado, aqui a diretora revitaliza mais do que o que lançou Greta Gerwig e cia, mas principalmente dá a ele uma razão para continuar existindo. É com muito carinho que aquelas pessoas estão dispostas em cena, falando de si no mesmo tempo em que se protegem, dividindo no mesmo passo em que recolhem, expondo ainda que também prefiram a reclusão. É um material como sempre muito simples, para o formato e para o movimento – um homem e uma mulher que se conhecem para aulas de espanhol on-line, a quilômetros de separação, e acabam se conectando graças ao material empático que uma tragédia propõe. 

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Mesmo essa reconhecida tragédia é tratada de maneira inusitada pelo filme; uma queda e já não é mais como se estivéssemos no dia anterior. A um Clique de Distância tira o peso do que é demasiado, e deixa só o necessário em cada relação. O que é passível de reconhecimento, e a forma como as pessoas se conectam, com e sem trocadilho. É um filho legítimo do ‘mumblecore’, de dar orgulho a Joe Swanberg, porque não apenas trabalha no registro do orçamento baixíssimo, e das relações humanas pautadas pelo agridoce, mas porque sua textura o joga nesse lugar. Muito rapidamente, Cariño e Adam são duas pessoas de carne e osso, que não tem nada a ver um com o outro, mas que se compreendem e se gostam, e nós gostamos muito deles. 

Essa característica descrita acontece porque o ‘mumblecore’ tem um conceito que parece empregar simplicidade extrema aos projetos, mas que como toda simplicidade, tudo isso é conseguido através de bastante seriedade e complexidade. Para isso, a estreia de Morales na direção é extremamente feliz, no que concerne a evocação de um universo e a química que ela forma, à distância, com Duplass. Experiente em séries cômicas bem sucedidas (como Parks & Recreation e Disque Amiga para Matar), atriz compreende a força de uma parceria bem sucedida para a qualidade de um projeto, e como A Um Clique de Distância é basicamente feito disso, a maior parte do investimento foi feito nesse sentido. Que seu partner tenha ainda mais experiência que ela, o resultado se vê na tela. 

Ainda que funcionando dentro de um registro limitado imaginativo, A um Clique de Distância não deixa de “aprontar as suas” na realização do plano, como quando acontece a conversa sem a câmera ligada, e o posterior desdobramento desse recurso. É um encontro feliz de um projeto delicado com uma proposta de investigação cinematográfica sincera e atual, que rende um filme inesperado sob inúmeros contextos. O principal dele talvez seja por nossa múltipla torcida para que Adam e Cariño consigam ultrapassar suas barreiras em relação um ao outro, e não, isso não quer dizer envolvimento amoroso, porque o jogo aqui é outro. Todos, personagens, atores e filme, compreendem a necessidade do encontro e atentam para a felicidade de, anos depois da criação do computador pessoal, voltarmos a exercer a propagação do afeto à distância, que foi desacreditado e precisa ser retomado com urgência.

Um grande momento

Adam e Cariño disputam – e a batata ganha

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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