Cinema em linhasNotícias

Ainda estou aqui faz história no Oscar 2025

Em todos os lugares

Ainda Estou Aqui está mesmo aqui, mas está também em todos os lugares. O filme de Walter Salles, com Fernanda Torres, integra a lista dos dez filmes que concorrem ao Oscar de melhor filme neste ano. Feito histórico, esta é a primeira vez que o Brasil está neste lugar na lista da premiação, que chega agora à sua 97ª edição. O longa foi indicado ainda a melhor filme internacional e a melhor atriz. Os vencedores serão conhecidos no dia 2 de março e a cerimônia será transmitida no Brasil pela TNT e pelo MAX, a partir das 21h.

Baseado no livro homônimo escrito por Marcelo Rubens Paiva, a produção conta a história de Eunice Paiva, mãe do escritor, e sua luta pelo reconhecimento do desaparecimento e morte de seu marido, o deputado Rubens Paiva, durante a Ditadura Militar. Tendo a memória como seu principal mote, Ainda Estou Aqui destaca a força dessa mulher à frente da família e sua resistência diante do sistema arbitrário e autoritário. O filme, que já tem sessões lotadas desde sua estreia no Brasil, levou até agora mais de 3.700.000 espectadores aos cinemas do país.

A jornada para chegar até sua indicação ao Oscar de melhor filme começou no Festival de Veneza, onde emocionou a plateia e impressionou os críticos. De lá até aqui, sua distribuidora no exterior, a Sony Classics, iniciou uma campanha intensa, focada em apresentações em festivais, depois em apresentações especiais para votantes, com sessões comentadas. O diretor Walter Salles e os atores Fernanda Torres e Selton Mello rodaram o mundo. A vaga de melhor filme internacional ia se solidificando e Torres, com todo o seu carisma e desenvoltura, conquistava aqueles que a ouviam respondendo perguntas sobre sua ela e sua personagem em inglês, francês e italiano (e talvez outra língua que não se tenha registro).

Paralelamente, uma intensa campanha digital acontecia diretamente do Brasil, com fãs engajando qualquer coisa que dissesse respeito à atriz e ao filme, gerando um interesse natural de todas as publicações especializadas, que a faziam estar sempre em voga. No dia 5 de fevereiro, um fato fundamental acontece, Fernanda Torres sobe ao palco do Beverly Hilton Hotel para receber o Globo de Ouro de melhor atriz em drama. Historicamente, todas as premiadas nesta categoria são indicadas, a não ser em dois casos específicos: Shirley MacLane, por Madame Sousatzka, que empatara com Jodie Foster (Acusados) e Sigourney Weaver (Na Montanha dos Gorilas) em 1989; e Kate Winslet, que ganhara os globos de atriz drama (Foi Apenas um Sonho) e atriz coadjuvante (O Leitor) sendo protagonista nos dois filmes. 

A dúvida era se uma estrangeira conseguiria ultrapassar barreiras e chegar à nomeação. Antes de tudo, era importante que o filme fosse visto. A vitória no Globo de Ouro, assim como a de qualquer premiação televisionada, era capaz de fazer isso. Com os incêndios que tomaram Los Angeles, a incerteza aumentou, mas Ainda Estou Aqui mostrou-se maior do que isso. Não foi só a atuação de Fernanda que impressionou e os votos vieram não só para ela. Confirmou-se a indicação a melhor filme internacional, já prevista por todos os veículos e comentaristas de Oscar e o filme chegou ao lugar mais nobre da premiação ao lado de Wicked, A Substância, Anora, Conclave, O Brutalista, Duna: Parte 2, Emilia Pérez, Nickel Boys e Um Completo Desconhecido.

As chances de vitória

A última vez que o Brasil conseguiu uma indicação ao Oscar foi em 1999, com o filme Central do Brasil, também dirigido por Walter Salles. O longa foi indicado nas categorias melhor filme estrangeiro (o nome foi alterado para melhor filme internacional em 2019) e, curiosamente, melhor atriz. A protagonista de Central do Brasil, Isadora, era vivida por Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres. Naquele ano, ela perdeu o Oscar para Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado). O filme, para A Vida É Bela. De lá até aqui, não houve nenhuma outra indicação. Só estar lá, e dessa maneira, já é muito mais do que uma vitória.

Mas existe chance de ganhar? Sim, algumas. Na categoria melhor atriz, a disputa hoje – e isso pode mudar de uma hora para outra – se concentra em Fernanda Torres e Demi Moore (A Substância). Enquanto a última tem uma narrativa forte a seu favor, pois está em um papel que, de certo modo, é representativo da sua história na indústria. Ela fez questão de ressaltar isso no ótimo discurso do Globo de Ouro e é sabido que a Academia considera discursos. De outro lado, temos uma interpretação que surpreende e mobiliza, além disso que está em um filme que conversa com o contexto atual e Torres tem ressaltado isso em suas falas.

Na categoria melhor filme internacional as coisas são mais difíceis. Embora também não sejam todas as produções que estejam na briga principal, existe um franco favorito: o francês, que conta uma história passada no México, Emilia Pérez. Embora seja um filme polêmico, que tenha causado algum mal-estar com os mexicanos e com a comunidade trans, o musical tem se mostrado um fenômeno nas premiações por sua ousadia e inventividade. Ainda Estou Aqui deve ser um dos mais votados no final, mas, com 13 indicações no total, é difícil que Emilia Pérez não ganhe essa estatueta.

Na categoria melhor filme é sempre difícil fazer previsões por causa do método de votação. Como os membros da Academia votam por ordem de preferência, ou seja, fazem uma lista enumerando os filmes de um a 10 e, após isso, é feita uma soma para saber qual foi o filme com a maior pontuação, os vencedores podem ser aqueles que mais apareceram em segundo ou terceiro lugar. Um filme que dividiu as opiniões, que esteve muitas vezes em primeiro e em último lugar, pode não se sair tão bem como aquele que sempre esteve ali em uma posição mais alta, por exemplo. Se Ainda Estou Aqui se mantiver sempre entre os três primeiros lugares e Emilia Perez, que surge como favorito hoje, aparecer em várias últimas, é possível que o primeiro vença. Considerando-se aqui que os dois como principal disputa do momento. Como se vê, esse é um palpite muito difícil e arriscado de se fazer, mas a torcida é sempre bem-vinda.

As mídia sociais

Ao mesmo tempo em que a presença digital foi importante para dar visibilidade para Fernanda Torres e Ainda Estou Aqui e ajudar na campanha do filme, pois hoje é impensável qualquer movimento sem a força das redes sociais, o comportamento dos usuários pode se tornar um problema para o filme.

Atrizes que também estão concorrendo na categoria melhor atriz chegaram a restringir comentários em seus canais e a espanhola Karla Sofia Gascon chegou a pedir, bem-humorada, uma intervenção da colega para que seus fãs parassem de agredí-la. Torres gravou um vídeo fazendo o apelo.

Fato é que, da mesma forma que as publicações compraram a campanha de Fernanda Torres, elas podem agora destacar o ódio disseminado pela torcida brasileira contra Gascon. E nem se trata apenas disso, o Oscar é uma premiação que diz respeito à arte, não há sentido nesse comportameto. Além disso, o que está por trás de tudo é Ainda Estou Aqui, um filme que vai pelo caminho oposto. A torcida é sempre bem-vinda e tende a ajudar muito, como se viu, mas demonstrar alegria e orgulho, e ter como foco o filme e a própria Torres é muito melhor.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Mais novo
Mais antigo Mais votados
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo