- Gênero: Drama
- Direção: Carla Simón
- Roteiro: Carla Simón, Arnau Vilaró
- Elenco: Jordi Pujol Doucet, Anna Otin, Xènia Roset, Albert Bosch, Ainet Jounou, Josep Abad, Montse Oró, Carles Cabós, Berta Pipó, Jacob Diarte, Joel Rovira, Isaac Rovira
- Duração: 120 minutos
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Carla Simón tem apenas 35 anos, apenas dois longas metragens no currículo e já coleciona feitos notáveis. Seu longa anterior, Verão 1993, ganhou 38 de 57 prêmios a que concorreu, incluindo o de cineasta revelação, tanto no Festival de Berlim quanto no Goya, o Oscar espanhol. Ela voltou a Berlim esse ano com Alcarràs, e ganhou um prêmio “um pouco” mais importante – o Urso de Ouro, prêmio principal do festival. Não foi necessariamente uma surpresa, a carreira de Simón está realmente prestes a explodir e o filme teve repercussão calorosa por lá. Finalmente visto nessa 46a. Mostra SP, reconhecemos a cineasta de seu belo filme anterior, aqui em um lugar bem parecido com o outro título, em todos os sentidos. Isso é uma rua de mão dupla – enxergamos personalidade, autoralidade, e também repetição, de alguma forma.
Simón tem uma carreira igualmente muito jovem e já espera-se muito a seu respeito, agora ainda mais. Do que já foi visto, ela torna a acertar a mão em um lugar que já se percebe confortável para a cineasta que nasceu muito recentemente. Mais uma vez uma questão familiar e rural, filmada da maneira mais espetacularmente solar possível, repleta de afeto, de verdade e de um senso de oportunidade incrível. Voltam à cena as crianças em lugares chave, em registros ultra naturalistas e com atores não-profissionais dando vida a esse núcleo gigantesco. Em muitas questões, Alcarrás e Verão 1993 são gêmeos semi idênticos, quase uma continuação espiritual um do outro, que cria uma familiaridade com sua autora muito rápido, um vínculo emocional que se apresenta entre filme e espectador.
Por outro lado, Alcarràs também bebe em fontes muito conhecidas do cinema como um todo, de um uma espécie de mergulho em um universo que se entende como ficção mas que anseia ter a vibração da vida documentada em si. Dentro desse lugar, não é apenas com sua estreia que Simón joga, mas com um certo lugar já visto muitas vezes por um cinema feito principalmente na Europa, ainda que em cenários de outras paragens, mas a mesma ideia-base. Além disso, essa criação nuclear de grande porte, com uma raia larga de personagens e situações, também é de conhecimento prévio aqui, e mesmo em uma mostra de cinema esbarramos com frequência. Logo, é a simpatia, o charme e o talento (óbvio) que se sobressaem, não necessariamente as ferramentas utilizadas.
Diante de um quadro onde percebemos fissuras apresentadas anteriormente, ainda que conduzidas com sensibilidade, o espectador se cerca de compreender os lugares onde essas marcações podem provocar diferenciação. O que nos leva aos desdobramentos particulares de cada personagem do núcleo principal da enorme família em questão: pai, mãe, avô, e filhos, dois adolescentes e uma criança. São tipos ricos que têm trajetórias em conjunto e também com questões individuais que mostram um lugar ainda mais amplo de construção do que já tínhamos visto no longa anterior. Além disso, Alcarràs é uma produção de teor indiscutivelmente político, que aborda o tal do ‘agro é tech, agro é pop’, pra mostrar de que lado esse tal agro está, no fim das contas; não que haja alguma surpresa a esse respeito, muito pelo contrário.
Talvez o melhor em Alcarràs seja o fato de não tentar verbalizar muito suas múltiplas questões, com isso criando abismos cada vez mais fortes entre seus personagens. O pai não consegue expressar suas frustrações enquanto homem, pai e marido, e desconta tudo no corpo, que começa a dar sinais de cansaço; o filho não tem interesse em mudar do ramo da família na colheita, embora veja o pai se esforçando para que ele se torne outra pessoa; a filha mais velha começa a perceber o mundo à sua volta, com isso caindo em um abismo; a mãe não aguenta mais ser cobrada por tudo e todos. São essas e outras impressões que dão ao longa alguma personalidade, como se uma pitada dela em todos os quesitos possíveis fosse levar à produção algo minimamente rejuvenescido.
Apesar da ausência de experiência, todo o elenco parece empenhado ao máximo em traduzir aquele espírito familiar, e deixar vazar na direção do roteiro todos os muitos pormenores que são sutilmente apresentados, como a homossexualidade de um dos personagens, pra citar um único exemplo. São escaninhos igualmente já vistos, até podemos chamar de clichês seus lugares de saída, mas Simón conduz essa atmosfera sem carga dramática aguda, com inteligência emocional e sem resvalar em qualquer pieguice. É tudo de profundo bom gosto e com um aspecto inconfundível em sua delicada força estética, apresentada sempre com a segurança de quem já esteve nesse lugar muitas vezes. Se conseguirmos esquecer que essas muitas vezes não significam esgotamento de uma fórmula, Alcarràs sai ileso dessa empreitada.
Um grande momento
O assustador plano final