Crítica | CinemaDestaque

Amigos Imaginários

Fábulas particulares

(IF (Imaginary Friends), EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: John Krasinski
  • Roteiro: John Krasinski
  • Elenco: Cailey Fleming, Ryan Reynolds, John Krasinski, Fiona Shaw, Alan Kim, Liza Colon-Zayas, Phoebe Waller-Bridge, Louis Gossett Jr., Steve Carrell
  • Duração: 100 minutos

John Krasinski conseguiu um feito complexo hoje, quiçá raro: construiu uma base de franquia de sucesso de público e crítica. Indicado ao Oscar, vencedor de um SAG (para sua protagonista, Emily Blunt), Um Lugar Silencioso tornou-se uma experiência tão bem sucedida que seu estúdio, a Paramount Pictures, não só abriu mão de seu criador na terceira parte – tendo em mente que o caminho já foi estabelecido – como deu ao mesmo um novo projeto, provavelmente tão caro ao criador quanto o original. Amigos Imaginários pode ter o teor diferente do sucesso de horror que explodiu o ator enquanto realizador, mas a base da mensagem é bem semelhante. A família é o foco de Krasinski, e aqui ele retorna ainda situado em um ponto entre a diversão e a emoção, encontrando espaço para as duas vertentes terem voz. 

Se na obra anterior, essa unificação familiar partia da completude para atingir seu ápice quando desmembrada, em Amigos Imaginários é a ausência que faz as peças do quebra-cabeça se formarem. Não há amor maior do que aquele provado mediante a perda, quando já não pode ser declarado ou vivido. Nada disso transforma o longa – uma aventura cômica infanto-juvenil, a priori – em algo intimista. Assim como já tinha provado, Krasinski consegue articular os códigos gerais para uma discussão que vai além do plano, mas que não o prescinde. São as escolhas estéticas que faz, que aproximam seu filme de um tratamento não-genérico, e a habilidade com que o roteiro lida com o que é de tom emocional. Não há exploração gratuita do que é sentido pelos personagens, pelo contrário até, que move a narrativa sempre para uma busca ávida de sensações.

De uma maneira pouco disfarçada, Amigos Imaginários parece se situar como um spin-off de Divertidamente – o que aconteceria com quem nos fez companhia na infância quando esquecemos deles? Existe uma passagem no longa da Pixar onde a protagonista literalmente apaga seu amigo imaginário da memória, e ele deixa de existir. Aqui, temos um lugar literal para onde irão esse grupo de criaturas após seu esquecimento, que ambos os filmes consideram como certo. A diferença aqui não é apenas de foco, mas de manutenção dos seus signos, porque a narrativa que encanta Krasinski serve para ajudar o que é ilusório e o que é concreto. A conclusão, bastante esperada, é a mesma sob a qual a própria Disney versa, é a de que os universos se completam e precisam um da existência do outro.

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Como nas melhores produções, o equilíbrio entre os elementos é fundamental, e a edição de Amigos Imaginários (a cargo de Christopher Rouse e Andy Canny) consegue o feito de ir além de manter o ritmo da ação em cena. Contrabalançar comédia, drama, animação e fantasia não é tarefa para qualquer um, e graças a eles o filme consegue funcionar para diferentes públicos, interferindo em cada gênero sem perder suas características ou deixar de seduzir. Krasinski, que também concebeu esse universo, é admirável nessa construção, que transforma cada novo detalhe em uma profusão arrebatadora de cores, sem jamais perder de vista o mais importante, que é a condução narrativa do filme. Através da história que está contando, que é a um só tempo sutil, simples e parcialmente reflexiva, que o espectador acessa sentimentos talvez igualmente esquecidos, e coloca pais e filhos em sintonias diferentes, mas ambos igualmente conectados à obra. 

As ideias que Krasinski tem, conectando o mundo da imaginação com a vida real, sem frear o fim da inocência com um decréscimo de qualidade de vida, trazendo representações na medida a respeito do reflexo entre os dois universos, também nos transporta para a mais pura emoção em cena. É uma visão absolutamente crível do que se conta, de um lugar do luto (implacável em qualquer idade) e a ideia de que a morte, factível ou simbólica, constroi uma nova configuração, que precisa ser compreendida aos poucos. Ao conectar o espaço da fantasia com a relação mais próxima de cada metaforização, Amigos Imaginários parte para uma conclusão muito singela sobre o que está contando. E fica bem claro que existe uma proteção maior em torno dos seres abertos à fantasia, porque são espíritos livres e se encaixam no que está sendo criado de maneira afinada. 

É quase certo que nenhuma moral da história apresentada em Amigos Imaginários seja inédita. O crescimento compulsório de crianças, o foco familiar na paternidade na ausência da figura materna, o poder e a revolução que a imaginação pode causar não apenas aos pequenos, a necessidade do acerto de contas consigo mesmo, tudo isso já foi cartaz de obras que nos encantaram ao longo da nossa existência. O que Krasinski lida aqui é com seu próprio talento como fabulador, tanto para atingir metas específicas quanto para mover para o centro dos olhares o seu talento como criador de imagens e personagens. E pensar que essa carreira está apenas no início…

Um grande momento
Bea muda tudo no Abrigo

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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