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Roma em Chamas

Homens da violência

(Adagio, ITA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Stefano Sollima
  • Roteiro: Stefano Sollima, Stefano Bises
  • Elenco: Pierfrancesco Favino, Toni Servillo, Valerio Mastandrea, Adriano Giannini, Gianmarco Franchini, Francesco di Leva, Lorenzo Adorni, Silvia Salvatori
  • Duração: 123 minutos

Stefano Sollima é um diretor de filmes de ação, nunca tentou sequer mudar isso. Sua consistência e lealdade ao gênero percebe-se por todos os caminhos que ele tomou, seja na tv ou no cinema. Mesmo que vez por outra demonstre interesse em algo que envernize sua proposta, ainda assim o seu cinema é carregado de adrenalina e uma relação feroz entre os seres que filma e seu contato com os espaços carregados de movimento. Pela primeira vez concorrendo ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, a mudança esteve mais presente no olhar da curadoria italiana do que em Roma em Chamas, essencialmente um filme novo de Sollima. Que ele tenha um campo de análise que o tire irrelevância que uma produção hollywoodiana imprima, é o que justifica sua entrada. 

O fato dele ter contado com um quinteto protagonista que, juntos, somam 42 indicações ao David di Donatello (e 12 vitórias!), deve ter ajudado bastante não apenas a seleção, mas de fato nos carrega para dentro de uma história até um pouco confusa, que se abre com uma velocidade não programada. Para que o leitor possa entender, o ritmo de Roma em Chamas é alucinado, mas seu roteiro demora um pouco a revelar seus propósitos, suas ligações e as definições de entendimento são rarefeitas aqui, durante algum tempo. Esse é um mérito do projeto, não se abrigar embaixo de uma ideia pré-concebida de facilitação; o espectador está no enredo junto com os personagens, no mesmo exato momento onde ele está. 

Sollima está apenas no seu quinto longa, mas sua vasta experiência em séries de tv já o levou para o cinema estadunidense (o anterior, por exemplo, Sem Remorsos). Isso não indica algum privilégio ou condecoração em sua carreira, mas Roma em Chamas – ao lado de Suburra – indica que esse cineasta, ainda que com predileções de gênero, tem uma visão a longo prazo. Envolvido com projetos que ainda vasculham o que restou da máfia nos dias de hoje, ou em como revitalizar um conceito que o cinema já apresentou ao espectador há tantos anos, o cineasta injeta caos aos seus trabalhos, o que ameniza seu olhar para um lado menos conservador. É uma movimentação nem sempre sutil, mas bastante eficaz no que pretende fazer para oxigenar esse cinema direto ao qual se dedica. 

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O que eleva a elaboração de Sollima para os tipos do qual se debruçou dessa vez é a relação enevoada entre três de seus protagonistas, um trio de mafiosos do passado, que hoje está em péssimas condições, emocionais principalmente, mas também físicas. Polniuman está cego, Daytona está com princípio de Alzheimer e Cammello com câncer terminal, ou seja, nenhum deles representa algum perigo hoje. Só temos acesso a eles hoje, e hoje esses personagens nem contracenam; o que é dito pelo policial Vasco está apenas na História, ao qual Roma em Chamas restringe nosso acesso. Isso é arriscado por um lado, porque nos impede de conhecer profundamente o universo que o filme trata com tanta assertividade; por outro, cria no espectador uma relação avessa com quem assistimos. 

Observando três homens aos pedaços, bastante fragilizados, sem representar o perigo que um dia já encarnaram, sobra ao grupo policial ser visto como agentes da ação – e assim, vilões. Não é algo difícil de assimilar, principalmente ao público brasileiro, que já nutre naturalmente uma relação divisiva com as forças policiais, aproximando-nos do fascínio que Francis Ford Coppola nos legou ao apresentar-nos a máfia. Roma em Chamas escolhe essa fácil dubiedade para nos fazer borrar a linha entre o bem e o mal, embora o personagem de Toni Servillo em determinado momento se coloque em posição de vilania. Como se dissesse o óbvio, que não existe uma linha muito clara que separe esses homens de seus afazeres diários, e contemple com violência todos eles, de maneira indiscriminada. 

Ao menos três grandes atuações temos em cena. O já citado Servillo, o onipresente Pierfrancesco Favino (e sua performance aqui mostra porque ele é onipresente) e Adriano Giannini, no que talvez seja seu grande momento na carreira. São três homens imensos, se digladiando nas sombras, quase em silêncio. É da interação gradual entre seus personagens que nosso interesse por Roma em Chamas cresce, e se o roteiro prefere trafegar entre um clima de desassossego narrativo, seus atores criam uma linha de qualidade que nos captura do início ao fim. 

Um grande momento

O primeiro encontro entre Vasco e Daytona 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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