Crítica | Streaming e VoD

O Pálido Olho Azul

Um autor pela metade

(The Pale Blue Eye, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Scott Cooper
  • Roteiro: Scott Cooper
  • Elenco: Christian Bale, Harry Melling, Toby Jones, Gillian Anderson, Lucy Boynton, Simon McBurney, Timothy Spall, Charlotte Gainsbourg, Harry Lawtey, Fred Hechinger, Joey Books, Steven Maier, Robert Duvall
  • Duração: 122 minutos

Johnny Depp estrelou dois filmes no passado que considero deliciosos, A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça e Do Inferno, suspense psicológicos regados a fábulas literárias com um sabor de nostalgia. Em ambos, se faziam presentes crimes ficcionais unindo figuras lendárias da história da criminologia norte-americana, e os filmes acabavam por carregar uma aura propositadamente gótica. Esse resgate que a Netflix faz com O Pálido Olho Azul, que é sua maior estreia do mês, deixa qualquer cinéfilo saudosista feliz. É óbvio que o suspense gótico não nasceu com Tim Burton, mas esse filme não era produzido há algum tempo, e o streaming tem nos ofertado produções (com e sem qualidade) muito mais genéricas do que essa, que investe em uma produção fora da curva. 

Scott Cooper é o nome do cara. E sim, você o conhece de Coração Louco (aquele que deu o Oscar pro Jeff Bridges), Aliança do Crime e que tem em Christian Bale um amuleto; além daqui ele já apareceu em Tudo por Justiça e Hostis. Comprende-se porque Cooper não tenha um nome reconhecível, sua carreira é muito regular, pro bem e pro mal – se nunca fez um filme extraordinário, também passou longe de entregar porcarias. Depois do Oscar de Bridges, as pessoas avançaram – aka Bale – achando que esse novo prêmio seria dado, e nunca mais passou da vontade. Ainda assim, nenhum de seus filmes deixou o público indiferente, apesar dele não conseguir reproduzir a empolgação de sua estreia. Temo que o mesmo aconteça aqui, porque Cooper verdadeiramente fica no quase, na maior parte das vezes. 

O Pálido Olho Azul
Scott Garfield/Netflix

Acontece dessa vez pela falta de compreensão de seus excessos. Como já imaginado, um filme como O Pálido Olho Azul precisa de espaço para se fazer relevante; um roteiro com maior desenvolvimento, uma atenção aos personagens ainda mais aproximada, uma vontade de contar essa história que agregue à ambientação, e não esteja refém dela. Seria fácil compreender o espaço físico de um filme como esse sendo suficiente para seu acerto, mas um filme que nos apresente um jovem Edgar Allan Poe deveria fornecer mais do que aceno estético para o espectador. Fica devendo não apenas na construção de um dos maiores escritores do suspense policial da literatura americana, e também deve a todos os outros personagens, que parecemos acessar pela metade. 

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Quando O Pálido Olho Azul se apresenta, imaginamos que tanto o personagem de Bale, um detetive convocado para solucionar um crime bárbaro com ares de satanismo, quanto o próprio Poe (interpretado com brilho por Harry Melling, de O Diabo a Cada Dia), teriam linhas estruturais mais consistentes. Infelizmente o filme está mais interessado em dissecar o caso que está sendo investigado em específico, e deixar seus protagonistas – além dos coadjuvantes – à mercê dos eventos. Isso prejudica o próprio andamento da trama principal a que se quer dar destaque, como a paixão de Poe pela jovem Lea, que vai ter um desencadeamento para a importância do clímax. Nós vemos e compreendemos a paixão, mas não a sentimos fora das falas do ator, porque o filme não constrói esse sentimento. A família Marquis, do qual Lea faz parte, também nos falta adentrar melhor seus aposentos, ouvir suas vozes e contemplar seus desejos, principalmente quando os pais são interpretados por Toby Jones e Gillian Anderson, principalmente ela em acerto absoluto de corporificação, tendo em vista seu visual carregado. 

O Pálido Olho Azul
Scott Garfield/Netflix

Mas existe uma ausência ainda maior que essas, que o livro de Louis Bayard deve dar conta melhor (mas não duvido de que muita coisa tenha caído na montagem; qual a função de Charlotte Gainsbourg em cena?). Em uma produção baseada em material literário, cuja palavra escrita seja tão de suma importância para a extensão de sua discussão, deixar o protagonista vagar como um mero instrumento de ação, soa no mínimo insólito. Bale mais uma vez está excelente, raramente deixou de estar, mas até pelo desfecho de O Pálido Olho Azul, uma surpresa quando já imaginávamos a narrativa concluída, é surreal que seu personagem seja tão apartado da construção mais detalhada. Se o roteiro pode julgar que a família Marquis estar mais oculta seria uma estratégia de seu plot, o mesmo não pode ser dito de Augustus Landor, o homem por trás da dissolução do mistério, exatamente por ser seu porta voz.

Por isso, mais uma vez Scott Cooper entrega um produto que não o fará sair de seu lugar cativo, há mais de 10 anos. Na humilde opinião de quem escreve, o filme de máfia protagonizado justamente por Johnny Depp (Aliança do Crime) segue sendo sua produção mais redonda, mas O Pálido Olho Azul mostra que seu autor ainda realiza obras que são mais vistosas de longe, do que ao analisarmos friamente. Não podemos negar seu potencial, os elencos e as equipes que ele une – e que demonstram excelência, vide a fotografia de Masanobu Takayanagi, seu fiel parceiro e que também iluminou Spotlight – demonstram capacidade de transformar todo o resultado final. Mas é justamente sua falta de cuidado com a narrativa que parece emperrar a solução dos entendimentos, ainda que seja muito agradável de assistir.

Um grande momento

A solução do mistério familiar

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Alexandre Figueiredo
Alexandre Figueiredo
18/01/2023 23:29

Gostei da atuação de Bale, achei o longa razoavelmente positivo.

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