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Intruso

Excesso de vazio

(Foe , EUA, AUS, RUN, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance, Ficção Científica
  • Direção: Garth Davis
  • Roteiro: Iain Reid, Garth Davis
  • Elenco: Saoirse Ronan, Paul Mescal, Aaron Pierre
  • Duração: 105 minutos

Em algum lugar perdido entre a chuva de entrelinhas, metáforas e parábolas de Intruso, tem um filme escondido, e um dos bons. Estreia recente da Prime Video que foi exibido nos cinemas estadunidenses e aqui só encontrou lar no streaming, esse é um projeto que nasceu repleto de credenciais. Diretor indicado ao Oscar (o Garth Davis de Lion) e protagonistas nas mesmas condições (Saoirse Ronan e Paul Mescal), as intenções da produção aparentam ser as melhores. No papel, creio que todo o funcionamento da coisa exalava coesão. O que vemos, no entanto, é uma tentativa de complexificar um universo que o cinema já abordou outras vezes, e uma discussão que soa datada acerca da guerra dos sexos e do empoderamento feminino – ou apenas da necessidade dele. 

Davis também é co-roteirista do longa, e tenta aqui sofisticar sua visão, que tanto no filme premiado quanto em Maria Madalena eram vistas por um viés mais popular. O que imagino teria a ideia de soar como algo atmosférico e substancial, acaba criando uma sensação constante de desconforto. Isso porque o cineasta claramente está desesperado por alguma atenção menos óbvia. Nessa ânsia de ser outorgado, o filme captura seus temas de fácil acesso e os rebusca de tal maneira, que eles acabam se mostrando excessivamente didáticos em suas tentativas de elevação. Cria-se então um bicho híbrido e que não se comunica com público algum, porque permanece como se estivesse entre duas tentativas de aproximação, antagônicas. 

Se a pretensão prejudica a experiência em Intruso, isso também se dá porque em nenhum momento o espectador consegue se conectar com o que está sendo contado. Porque há uma necessidade sobre humana de manter tudo em um padrão artístico tão rígido, que sobra pouco com o qual se importar a partir de determinado momento. Não é como se fora uma ideia antisséptica de criação de universo, mas tudo está tão pensado que é como se não houvesse espaço para a respiração natural. Com uma estrutura que lembra uma peça de teatro, o filme permanece tão imóvel quanto seu cenário, o que acaba por provocar um enfado inegável provocado por essa visão inovadora que o filme tem certeza que lhe cabe, quando já conhecemos esse material de origem. 

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São apenas três personagens em cena, e uma história cujo desenvolvimento atenta para lugares não apenas já imaginados, como desenvolvido de maneira semelhante. Intruso não é somente um filme aborrecido, de desenvolvimento que acredita que confundir o espectador é tornar a experiência mais rebuscada, mas também é uma produção que se imagina muito mais inteligente do que de fato é. Suas cores, seus tempos mortos, nos fazem recordar um Terrence Malick atrasado no tempo, mas sua pretensão chega em Gattaca. Suas táticas narrativas também sugerem incursões pelo cada vez mais diluído conceito de Black Mirror, mas se até mesmo a série britânica já encontra desgaste, pensem então nesses projetos atrasados. 

Aos poucos, reconhecemos uma intenção de discussão que parece digna de ser colocada à mesa, mas é tudo muito assoberbado de funções que se entendem como elevadas, quando na verdade só empurram suas intenções para um buraco negro de ideias. O roteiro de Davis e Iain Reid avança sobre as questões de gênero, e abordam uma opressão que é óbvia sobre a protagonista feminina. Seu espaço é tomado constantemente, suas vontades não são respeitadas, sua voz é continuamente emudecida por dois homens que desejam usá-la, e assim o fazem. Isso tudo está em Intruso, e quando o filme se dedica a isso, temos a impressão que um filme de verdade está agindo nos bastidores, quase contra a vontade de quem está contando essa história, que também se interessa mais por amplificar um pavão quase insuportável. 

Quanto a Ronan e Mescal… bem, fazem o que podem. As estrelas respectivamente de Ladybird e Aftersun que já mostraram tanto talento, aqui parecem marionetes de uma peça por ora publicitária, e em outros momentos enganosa. Mesmo os intuitos claros de Intruso não vêm à superfície, porque parecem muitos e misturados, sempre atropelando uns aos outros; além disso, soam didáticos demais, mesmo a ânsia por liberdade de uma mulher, ou os desvarios da ética e do afeto em tempos de inteligência artificial. Na ânsia de tentar emular autores das quais não parece ter sentido sequer o cheiro, Davis soa apenas aborrecido e nas raias do plágio visual. Além de tudo, qualquer pessoa que tenha assistido as obras certas não se surpreende com o final que o filme vende como surpreendente. Sobra a indiferença sobre todas as coisas em cena, e um espectador muito cansado em acompanhar algo tão pretensioso.

Um grande momento

O incêndio (ou ‘quero ser Cinzas no Paraíso’)

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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