- Gênero: Drama
- Direção: Daniel Nolasco
- Roteiro: Daniel Nolasco
- Elenco: Lucas Drummond, Fernando Libonati, Liev Carlos, Renata Carvalho, Igor Leoni, Guilherme Théo, Norval Berbari, Lizz Miranda
- Duração: 104 minutos
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Na ilusão de um futuro imaginário conscientemente impossível, o tempo desgasta ou rearranja tudo. Em Apenas Coisas Boas, o que parecia sólido se desfaz em camadas de desejo, silêncio e fantasma. O encontro entre um fazendeiro e um motoqueiro ferido, num interior moldado por horizontes largos e códigos rígidos, começa como aproximação e logo vira inventário do que se perde antes que o futuro se concretize. A narrativa se constrói mais pela sugestão do que pela fala e deixa que a imagem e a dinâmica da relação carreguem o peso do afeto, como se o corpo dissesse o que a palavra não sustenta.
O universo imaginado pelo diretor Daniel Nolasco parte de signos que flertam com o fetiche e desmontam estereótipos clássicos da masculinidade, numa estética queer conhecida. Chapéu, poeira, couro e músculos entram em cena como material sensorial que desloca a imagem do macho rural e a reescreve com pulsação queer. A câmera demora no gesto e no atrito, organiza o desejo como dramaturgia e trabalha a expectativa com uma calma que atiça, recusando atalhos explicativos e confiando no olhar. É possível perceber um diálogo com o melodrama e o faroeste, mas o resultado, longe das referências, tem corpo próprio.
Dividido em duas partes muito definidas, boa parte de Apenas Coisas Boas se impõe pelo silêncio e pela erótica da espera. É um cinema de pistas e o que se vê é a criação de um espaço comum onde dois homens, cercados por códigos que tentam enquadrá-los, aprendem outro modo de existir. Nolasco aposta num minimalismo de fala e num maximalismo de sensação, com cenas que fazem a pele trabalhar o que o roteiro não declara.
Quando o filme muda de chave, porém, há um desarranjo. O salto temporal e espacial, que leva a história para a cidade e para uma zona de mistério, propõe um suspense que reorganiza as regras e faz com que a narrativa passe a depender mais da causalidade e da investigação do que daquele transe sensorial que envolveu o espectador. O risco assumido é interessante, porque mexe com a expectativa e reprograma o pacto com quem assiste aoi longa, mas nem sempre o encaixe acontece. Justamente onde o filme tentava expandir seus efeitos, a irregularidade enfraquece a cadência.
A quebra revela tanto as virtudes quanto os limites da proposta. O erotismo como motor se converte na falta como enigma e o desejo do primeiro ato reconfigura-se por medo, ciúme, desaparecimento e possibilidade de crime. A imagem segue forte, os corpos seguem inscritos com vigor, mas o roteiro, agora mais exposto, deixa ver costuras que a parte anterior escondia com elegância. A irregularidade das atuações também não ajuda. Ainda assim, algo essencial está ali. Em hipóteses possiveis – e elas serão muitas –, no imaginário do sobrevivente, na passagem do sertão para a cidade e do amor para a suspeita, surge o retrato do que o tempo tira e do que o tempo revela.
Entre uma metade e outra permanece a insistência em torcer o clichê. Não há cowboy imaculado nem motoqueiro salvador. Há homens que se reinventam fora do padrão. O fetiche, quando aparece, não serve para simplificar o desejo, serve para mostrá-lo em sua materialidade contraditória, sem culpa e sem desculpa. Esse gesto não é decorativo. Em Goiás, no imaginário rural e em culturas atravessadas por uma normatividade agressiva, deslocar a masculinidade é uma tomada de posição e uma maneira de sobreviver.
Se a segunda parte perde um pouco de fôlego, não apaga o que o filme deixa. Fica o rastro de um romance que não pede licença ao tempo. Fica a lembrança de que os corpos, quando se encontram, criam uma zona onde as regras do lado de fora perdem autoridade. Ficam os cortes de uma montagem que, mesmo quando patina, nos devolve imagens que seguem provocando. Apenas Coisas Boas trabalha a expectativa com a calma de quem sabe o que quer; experimenta, tropeça e se levanta sem parar de andar. O que resiste é aquilo que a primeira metade prometia e a segunda desafia. Um cinema que arrisca e, nesse risco, encontra o que importa.
Um grande momento
No chuveiro


