Crítica | CinemaDestaque

Aqui

Tudo em um único lugar

(Here, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Robert Zemeckis
  • Roteiro: Eric Roth, Robert Zemeckis
  • Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Paul Bettany, Kelly Reilly, David Fynn, Ophelia Lovibond, Michelle Dockery, Gwilyn Lee, Nicholas Pinnock, Nikki Amuka-Bird
  • Duração: 100 minutos

Há vinte anos atrás, Robert Zemeckis, outrora um dos mais criativos autores do cinema estadunidense, resolveu testar novas possibilidades em um ainda inexplorado campo de possibilidades cinematográficas. O que poderia (e deveria) ser uma ideia para projetos futuros, usados com parcimônia, se transformou na razão de viver de sua filmografia. Enfeitiçado com o crescimento e o avanço de novas tecnologias digitais, ele e Ang Lee se distanciaram cada vez mais do diferencial de seu Cinema para transmutar-se em profissionais da experimentação. Em Aqui, Zemeckis parece que encontra uma finalidade para pesquisas infinitas e volta a se aproximar de um processo narrativo que justifique os feitos, e não do habitual contrário que vinha até então apresentando. 

Baseado na graphic novel de Richard McGuire, Zemeckis encontrou na estrutura pictórica que o desenhista já apresentou na obra original a reprodução ideal que, de muitas maneiras, viriam a conversar com sua própria obra. O que está sendo contado no filme, na verdade, não é a aproximação mais exata para conseguir a absorção do que vemos; a narrativa propriamente dita é acessória. Mesmo a forma apresentada é apenas uma porta de entrada para a análise sobre o tempo e suas divisões espaciais, que não tem a ver com o sensorial aqui, mas com o imemorial. Ao longo da projeção, uma linha observacional se faz mais debruçada, mas agarrar-se a ela também não é a melhor saída para o mergulho que o cineasta convida. 

Reside a impressão de que todo o lastro de experimento sobre a qual sua carreira tem se baseado, foi um atalho (bastante longo) para a chegada de Aqui, um olhar menos viciado sobre a matéria rarefeita do qual o espaço-tempo é formado. Existe um fascínio testemunhal em acompanhar esse caleidoscópio narrativo através dos tempos, literalmente desde os dinossauros. Como investigadores de um pedaço de chão no qual nos tornamos, cada mínimo aspecto desperta uma motivação mental extra (“como aquela rocha no canto direito do espaço desapareceu para dar espaço para a sala da casa?”), e há um sentido arqueológico no que é mostrado e sentido. Porque não existem apenas árvores e casas, mas também percursos emocionais que o filme banca sob uma distância segura.

A cada nova escavação ao redor dos séculos, encontramos novos materiais que identificam o que formou aquele espaço específico, principalmente, mas também o que contribuiu para os achados sensoriais por trás de cada recorte. Existe um centro nervoso que gira em torno de Tom Hanks e Robin Wright (o casal principal de Forrest Gump, o maior sucesso de Zemeckis e seu vencedor do Oscar), mas que além de não ser suporte único, ainda tem o mesmo interesse do espectador que os outros retratados. Porque cada novo universo apresentado representava um motor diferente de alavanca da História, onde nenhum elemento ali se alinhava narrativamente, mas seus relevos particulares montam um mosaico acerca do que cada tempo representa, e de como tais discursos só parecem vazios e aleatórios em sua aparente banalidade. 

Na verdade, nenhuma informação é vã, em cada lugar e tempo. E elas são dadas de maneira muito explícita, porque na verdade a exposição de Aqui às informações são o que o filme tem de concreto, que é a área mais óbvia também. O que está apenas no campo da captura das imagens, na construção de planos entrecortados, na decupagem detalhada de cada momento, é o que Zemeckis elabora com o bom gosto do qual não estávamos mais acostumados. O que tem de expositivo em sua última sequência, do ponto de vista do roteiro, não é uma valor contra, porque o diretor está constantemente recortando sua imagem a partir de outro viés, com uma outra perspectiva visual, e não narrativa. 

O que compreendemos é que, por conta do estrelato de Hanks e Wright, existe sim uma ideia principal a ser seguida, e esse talvez seja o problema principal de Aqui, escolher uma linha narrativa a significar importância em detrimento às outras. Por que estamos diante de um palco que Zemeckis constrói diretamente com um único protagonista em mente: o tempo. Como ele incide nos espaços, na sociedade, mais precisamente na forma como as pessoas se inserem e em como o ser evolui (ou não) a partir de determinadas relações, de poder ou não. Se ainda não é o cineasta que um dia admiramos em filmes como Contato ou Uma Cilada para Roger Rabbit, trata-se de uma recordação próxima de como ele reconhece as ferramentas ao seu favor, e não para seu deslumbre particular. 

Um grande momento
A criação da cadeira 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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