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Asako I & II

(Netemo sametemo, JAP/FRA, 2018)
Drama
Direção: Ryûsuke Hamaguchi
Elenco: Erika Karata, Masahiro Higashide, Sairi Itô, Kôji Nakamoto, Kôji Seto, Misako Tanaka, Daichi Watanabe, Rio Yamashita
Roteiro: Tomoka Shibasaki (romance), Sachiko Tanaka, Ryûsuke Hamaguchi
Duração: 119 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Em suas observações sobre o amor, ou melhor, sobre o imaginário apaixonado, Roland Barthes fala bastante sobre a imagem. Aquela construída, onde o objeto amado está revestido por todas as qualidades e atrativos que o outro encontrou, mas destacam-se somente àquela pessoa. Essa perfeição que só existe no amor apaixonado, até que, cedo ou tarde, chegue a ruptura da imagem, está ali em Asako I & II.

De forma folhetinesca, o filme, baseado no romance de Tomoka Shibasaki, “Netemo sametemo” (algo como “mesmo se você me acordar”, em português), conta a história de Asako, uma jovem de Osaka que se apaixona perdidamente à primeira vista por Baku, alguém com quem ela cruza em uma exposição de fotos. Dali os dois iniciam um namoro, mas ele tem o hábito estranho de desaparecer por curtos períodos, até que some de vez. Um ano depois, agora em Tóquio, ela encontra Ryôhei, um homem fisicamente igual a Baku, e os dois iniciam uma relação.

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Alternando na estética, a imagem é o que mais importa ao filme, seja de maneira como o diretor Ryûsuke Hamaguchi a idealiza, seja no objeto que pretende ter explorado em sua narrativa. Na forma, o universo criado não se priva de localizar a história em um ambiente casual, familiar. Ainda que se permita explorar, por vezes, a sofisticação cinematográfica, como na saída do museu ou no encontro pós-terremoto, é aos quadros mais quadrados, e por vezes televisivos (na acepção antiquada e estigmatizada da expressão) que se dedica mais. No conteúdo, os retratos cotidianos pendurados nas paredes da galeria contrastam com o modo como se dá a aproximação do primeiro casal, assim como os próprios personagens de Baku e Ryôhei contrastam entre si. A imagem também, em outra perspectiva, é o que faz com que a trama do segundo casal se desenvolva, nos encontros e desencontros.

Para completar o universo, os personagens coadjuvantes, também baseados em outras espécies de formação imagética – aqui vale ressaltar as primeiras impressões que Maya e Kushihashi têm um do outro no primeiro jantar – são tratados com muita deferência, indo do singelo ao injustificadamente melodramático.

Entre imaginários e imagens, Hamaguchi trilha o caminho de sua história romântica e atrai pelo real retratado. O compreender da dinâmica, da imagem imaculada mesmo depois da dor e decepção é complexo, mas identificável. Mesmo inconscientemente, Asako está sempre buscando aquilo que perdeu, seja no simples gesto de voltar à mesma exposição onde viu Baku pela primeira vez ou no modo como acena para um carro na esperança de ser notada. Quem nunca?

Há uma espécie de enlouquecimento da imagem que se formou prefeita, aquela tão bem descrita e analisada por Barthes, que só existe aos olhos de Asako, mas é repudiada por qualquer outra pessoa que conheça a história ou tenha testemunhado a situação alheia, sejam personagens satélites ou espectadores. Uma imagem que sobrevive até ao abandono, que ofusca novas pessoas e acontecimentos, e que só será superada quando se puder olhar para ela novamente, deixando que o presente – e um novo imaginário tardio – influenciem de vez o que se formou. Com a ruptura da imagem, vem a compreensão.

É no contraponto entre simplicidade e grandiosidade, reflexos e determinações diretos dos dois amores daquela mulher, que Asako I & II se estabelece e atinge o ponto que gostaria. Como num ciclo, usa imagens para alcançar o imaginário e gerar o acesso à imagem em si, filosófica e emocionalmente muito mais interessante do que aquilo que se vê de pronto. E que venham sempre as rupturas. No fundo, são sempre elas que fazem a vida caminhar.

“Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário para a ‘cura’, convenhamos que o progresso é triste. Essa tristeza não é uma melancolia, pois não me acuso de nada e não fico prostrado. Minha tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata.” Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso

Um Grande Momento:
Os pés novamente, depois do terremoto.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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