- Gênero: Drama
- Direção: Martin Scorsese
- Roteiro: Eric Roth, Martin Scorsese, David Grann
- Elenco: Leonardo DiCaprio, Robert De Niro, Lily Gladstone, Jesse Plemons, Tantoo Cardinal, John Lithgow, Brendan Fraser, Cara Jade Myers
- Duração: 206 minutos
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Um mergulho na América profunda encontra uma trama de extermínio e manutenção do poder branco, com a incapacitação e subjugação progressiva de indígenas; casamentos por interesse e uma trilha sangrenta de assassinatos. Inspirado no livro “Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI”, o novo filme de Martin Scorsese retorna aos anos 1920, quando o povo indígena osange, dominando a exploração do petróleo se torna o mais rico e distinto do país. A resposta reacionária, interesseira e preconceituosa não demora a chegar. A atenção se volta à primeira família, a de Mollie Burkhart, numa trama cheia de subterfúgios e que chega até a investigação do recém-criado FBI.
O filme é evidente em seus caminhos. Há, na abertura em cerimônias premonitórias e danças festivas – filmadas com o apuro de sempre –, a previsão por parte dos anciãos de onde o petróleo levará. Há passagem por imagens documentais que ambientam o espectador, – exibindo também a destreza conhecida do diretor –, mostrando o porquê. Até que Oklahoma se veja no mais tradicional e narrativo dos mundos. Scorsese, que nunca se afastou do que conhecia e sabia fazer, está confortável em todos os ambientes e sabe como encaixá-los para contar uma história que remete a outras suas, à construção daquela sociedade. A ganância e crueldade por trás de tudo, a origem do preconceito, corrupção e maldade.
Afastando-se do livro, seu foco está na base daquele sistema. Aqueles que aspiram algum reconhecimento dentro de um organismo estabelecido em níveis, pois, com raríssimos títulos, se destacam na filmografia do diretor os “ratos”, aqueles que querem subir naquela cadeia social. Em Assassino das Lua das Flores, esse papel cabe a Ernest Burkhart, o primo do maior criador de gado da região. Puxa-saco manipulado, por muitas vezes é difícil ler suas intenções e sentimentos, embora seus atos determinem o caminho tomado. Vivido por um Leonardo DiCaprio muito diferente do usual, traz consigo, ora em detalhes ora de maneira evidente, ansiedade e medo. Dois sentimentos que se misturam com muitos outros e estão sempre transformando-o.
No topo dessa nova cadeia de poder reimaginada e elaborada pelo filme, está William Hale, vivido por um também ótimo Robert De Niro. Representação do cinismo e da maldade, o personagem é o catalisador de um habilidoso jogo de ciência – nós e eles – e desconfiança – eles e eles – que se desenvolve. O ator, em um estado de consciência absoluto, dá ao personagem toda a profundidade necessária para a construção do vilão dissimulado e o de mais fácil associação com o presente que Scorsese busca demonstrar.
Perto do saber e nem sempre silenciosamente deixando isso evidente, Mollie é o contraponto a Hale. Lili Gladstone evidencia as nuances dessa mulher que se envolve genuinamente e é quem sofre, junto com sua família, as ações. A interpretação da atriz é minuciosa, baseada em olhares que traduzem a paixão, a dor e toda a complexidade de sentimentos nas relações estabelecidas entre o seu povo e os invasores daquela terra, entre ela e eles. Outras conexões também se mostram potentes através de sua marcante presença e elementos associados a mulher, como a própria maternidade.
Em paralelo, especialmente na figura de Tom White, vivido por Jesse Plemons, está a investigação de toda a violência que tenta acabar com a presença dos osage naquela região e reflete não só a ganância, mas também a vingança pela tomada de um espaço estruturalmente determinado. E há uma outra conotação igualmente dúbia quando se pensa nesse organismo de controle, dividido entre indivíduos que ganharam conotação na História com H maiúsculo.
Todos os caminhos que se definem, com tantos interesses e personalidades desdobradas e associadas aos quatro personagens, são costurados habilidosamente pelo diretor. Há significado tanto àquilo que está em cena quanto àquilo que se escolhe deixar fora de quadro; muito está dito no modo como os planos são elaborados, seja na disposição de elementos ou na elaboração do tempo. E há dor e significado, porque essa vontade de entender a origem da violência por trás da construção dos Estados Unidos, para além do indivíduo, se faz presente na obra de Scorsese. Aqui, olhando para novas questões que definem e determinam pontos cruciais de uma sociedade e sua história.
O modo como o diretor lida com o tempo e concatena os eventos faz a tensão da trama se manter pelas suas tão faladas mais de 3h de duração de Assassinos da Lua das Flores sem que se sinta o tempo passar. Passando por tantas maneiras de filmar e contar uma história, tudo está no lugar e há todo um cuidado ao estabelecer a dinâmica entre os personagens, fazendo com que eles cresçam a cada detalhe ressaltado. Mantendo-se perto de si mesmo, citando-se estilísticamente, Scorsese cria, recria e ainda se coloca em cena, numa nova ruptura, para contar o desfecho dessa história e falar das marcas do passado, daquilo que se sustenta até os dias de hoje, ainda que não se olhe para isso.
Um grande momento
O desprezo na despedida