Crítica | CinemaDestaque

Wonka

Outra pessoa

(Wonka, EUA, GBR, 2023)
Nota  
  • Gênero: Musical
  • Direção: Paul King
  • Roteiro: Simon Farnaby, Paul King
  • Elenco: Timothée Chalamet, Calah Lane, Olivia Colman, Hugh Grant, Sally Hawkins, Paterson Joseph, Keegan-Michael Key, Rowan Atkinson, Simon Farnaby, Mathew Baynton, Matt Lucas, Jim Carter, Tom Davis, Rakhee Thakrar, Natasha Rothwell
  • Duração: 116 minutos

Voltar a personagens clássicos e contar uma parte de sua história que nunca chegamos a conhecer. Wonka vai atrás do mágico inventor de chocolates que distribuía bilhetes dourados para as crianças que sonhavam em conhecer a sua fábrica e busca suas origens. Embora o nome estivesse no título original do primeiro filme: Willy Wonka and the Chocolat Factory (aqui A Fantástica Fábrica de Chocolate), lançado em 1971, o personagem nunca tinha sido o protagonista, como acontece aqui, mas nunca deixou de ser essencial ao filme. Lá ele era o enigma, conhecido pelos antigos que com ele conviviam e isolado do mundo por opção e sem grandes explicações. E se o tal bilhete do passado levava os poucos sortudos ao seu mundo de maravilhas e a ele mesmo, agora ele está ali no comecinho do musical de Paul King, convidando todo mundo para mostrar como tudo começou.

Mais do que encontrar toda a magia da fábrica que se tornou conhecida com as versões da obra literária de Roald Dahl para o cinema, tanto a já citada de Mel Stuart como a de Tim Burton, lançada em 2005, o novo musical deixa de lado as quinquilharias – quase todas – e olha para o personagem de verdade. Pela primeira vez, é possível entender aquilo que o avô disse da figura de Wonka e todo o afeto que ele um dia nutriu por ela, porque por mais que se tentasse e as invenções fossem maravilhosas, o chocolateiro de antes era um homem bem antipático e irritante, isto é, difícil de se gostar. Apesar de ser inegavelmente divertido em sua excentricidade, é claro.

Paul King sabe como encantar e é habilidoso na exploração de personagens. Não à toa, assina um dos melhores filmes da década passada, Paddington 2, que, de alguma forma, em algum lugar, guarda relações com este filme aqui. Há uma sofisticação no modo de abordar o clássico infantil, de tratar aquela história com seriedade e de entender o maniqueísmo, mesmo falando de um personagem com um imaginário complexo, já elaborado, e transformá-lo em algo realmente profundo e divertido. São seres que se transformarão, vidas que complementarão de maneira muito orgânica em meio a muitas cores e músicas, com números músicas de encher os olhos e alguns bons efeitos visuais também.

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A forma que dá ao seu musical conta muito, sempre buscando o exagero, mas dando a ele um verniz, uma nostalgia que vai além do já visto naquele universo, conseguindo distingui-lo completamente, ainda que fale de algo que o habita, ou habitou em determinado momento. Não deixa de ser o modo como demarca o tempo e isso se traduz em estética cinematográfica também. É como se ele estabelecesse um vínculo com o primeiro filme, inclusive resgatando canções, e ali criasse um marco temporal voltando décadas na história do gênero para contar o que se deu antes. A ideia funciona. O diretor também lembra dos menos afeiçoados ao gênero e com ritmo e um bom equilíbrio dos números musicais faz com que isso não seja um problema, além de estar formando um público ali. 

O modo como Wonka envolve os espectadores também está muito associado às atuações. O elenco do filme é ótimo e, surpreendentemente, assim como a imagem do próprio protagonista, também transforma uma outra percepção ao tirar seu intérprete, Timothée Chalamet, de um lugar onde ele sempre esteve muito confortável e dar a sua figura um ar divertido e simpático. Menos surpreendente, não por não estar bem, mas por já ser esperado que cumprissem seu papel, mas ainda inesperado, surge Hugh Grant. Divertidíssimo e cheio de estilo, embora não muito diferente de outros trabalhos recentes, seu personagem quebra um paradigma estabelecido com as outras versões da obra de Dahl. Ele é um Oompa Loompa, um das criaturas que trabalhavam (em situação bem questionável) na fábrica e têm a origem explorada no novo filme. Pela primeira vez, o personagem não é representado por uma pessoa de baixa estatura, mas uma versão computadorizada.

Há ainda outros nomes que se destacam, como Olivia Colman, Tom Davies, Paterson Joseph, Mathew Baynton, Matt Lucas, Jim Carter, entre outros. Bons ou maus, todos compreendem muito bem os seus papéis e os muitos tons que devem subir e os limites que devem ou não devem respeitar. A jovem Calah Lane, a pequena Noodle, fiel escudeira de Wonka, também está muito bem.

Como não poderia deixar de ser, o filme aposta alto na ambientação. Com desenho de produção elaborado de Nathan Crowley (O Rei do Show), vai do mais belo ao mais esquisito, e do mais frio ao mais acolhedor. A tradução dos sentimentos, para além dos elementos, está na fotografia de Chung-hoon Chung, agora experimentando uma realidade bem diferente e fazendo um trabalho para lá de interessante. Temos ainda os figurinos de Lindy Hemming, ganhadora do Oscar por Topsy-Turvy: O Espetáculo, que são um dos destaques do filme e resgata transformando o que já existia.

É impressionante como todo o filme realmente consegue fazer isso: transformar o que existia. Wonka vira uma outra pessoa, muito distante daquele personagem tão conhecido do passado. E o curioso é que isso não muda até o final do filme, tornando-se, portanto, em um gancho inteligente para um próximo longa. O que o transformou vira agora o grande mistério. Em um mundo de tantos finais abruptos, com indicações na tela e histórias incompletas, é ótimo que seja assim. Emocionante e divertido, Wonka é uma ótima pedida de final de ano, que vai divertir toda a família e agradar àqueles que conhecem o universo do chocolateiro mais famoso do cinema.

Um grande momento
Se apresentando para a cidade

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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