Crítica | Festival

AUM: The Cult at the End of the World

Não aprendemos nada

(AUM: The Cult at the End of the World, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Ben Braun, Chiaki Yanagimoto
  • Roteiro: Ben Braun, Chiaki Yanagimoto
  • Duração: 106 minutos

O principal ponto de AUM: The Cult at the End of the World, documentário sobre a seita japonesa responsável pelos ataques terroristas com gás sarin no metrô de Tóquio nos anos 1990 e todos os paralelos que podem ser encontrados pelo mundo é quando a instabilidade disseminou o medo pelo planeta. Com a Guerra Fria, os Estados Unidos começa uma campanha de pavor: o mundo pode acabar a qualquer momento. Imagem do caos fortalecida, paranoia propagada, o campo estava aberto para qualquer teoria conspiratória e novos grupos com interesses comuns delirantes encontram lugar para se formar.

O Aum Shinrikyo, a Verdade Suprema, é uma resposta direta àquele momento. Fundado em 1984 por Shoko Asahara, o culto apocalítico que misturava budismo, yoga, cristianismo e Nostradamus acreditava que a humanidade seria destruída em uma armagedom nuclear e apenas os convertidos seriam salvos. A seita tinha métodos de propaganda elaborados, com o uso de mangás e animes para atrair mais seguidores; usava a força da coletividade e do autoconhecimento das práticas cotidianas para se manter; contava com muitos cientistas entre seus membros mais respeitados; e tinha inimigos determinados.

Demorou um tempo até que o culto fosse levado à sério, como qualquer associação do gênero, mesmo que houvesse várias denúncias de casos de manutenção forçada de integrantes em seus grupos, alienação, extorsão e indícios de ligações com políticos e policiais. Só mesmo quando as ações extremas começaram a se repetir, que uma investigação apurada revelou a produção de armas de destruição em massa, e compra de armamento de guerra.

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Os cultos são criaturas vivas que se alimentam da ansiedade das pessoas. Se você for puro e sincero, pode acabar em um lugar diferente do que deveria estar. Quando você pensa no passado, a mídia desviou o olhar do possível envolvimento do grupo em crimes. Em vez disso, ampliou o lado bobo, ridículo e divertido do grupo. Como resultado, ajudou o AUM. Esta é uma chance de aprenderem que a mídia não deve encorajar essas coisas. Eles aprenderam?

Shoko Egawa

O documentário AUM: The Cult at the End of the World começa pelo momento em que as coisas chegam ao limite, no horror do ataque. É no desespero das vítimas do ataque que o espectador é apresentado às consequências extremas de Asahara. Os diretores Ben Braum e Chiaki Yanagimoto reúnem material de arquivo e conversam com jornalistas, parentes de ex-integrantes, vítimas e até mesmo um dos ex-líderes para fazer uma radiografia da seita.

Boa parte do filme se dedica a entender a personalidade do cabeça do grupo, o que o levou até ali, como se definiu como esse líder a ser seguido, cultuado e como se manteve por tanto tempo em um lugar de guia supremo. Como todo documentário, e aqui é difícil que não houvesse, há um lado muito bem definido. E o filme indica a manipulação, a fé e o fanatismo como principais armas de coerção e conservação de poder, assim como a descredibilização dos meios de comunicação e a desinformação como peças-chaves na dinâmica do grupo. É impossível assistir a tudo isso e, guardada as proporções, não associar o que se vê ao que se acompanha pelo mundo afora nos dias de hoje.

Ao acompanhar os eventos, AUM: The Cult at the End of the World mostra o quão perigoso é deixar que associações do gênero ganhem corpo e força com o tempo. A história de Asahara e seu grupo, em especial depois da frustração política, ganha contornos terroristas assustadores, com delírios de guerra e destruição por parte do líder e muitos dos seus seguidores, culminando no ataque que o espectador tem a chance de ver novamente, sob nova perspectiva, descobrindo outras ligações e com punição inesperada, após outros ataques.

Uma história terrível que poderia ter sido evitada de muitas maneiras. Poderia mesmo nunca ter acontecido. Mas aconteceu e está lá para mostrar que ainda lidamos muito mal com coisas assim, que seguem se repetindo e angariando milhares de seguidores em torno de teorias e teses improváveis, perigosas, nocivas e odiosas. Respondendo à pergunta da jornalista Shoko Egawa, não, eles não aprenderam. Nós não aprendemos nada.

Um grande momento
O começo

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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