Nem sempre o fim do mundo precisa estar chegando para que as rachaduras de uma família apareçam, basta um fim de semana no mato, uma espingarda na mão e a tensão acumulada de anos. Em A Family Guide to Hunting, Zao Wang parte de uma comédia de situações para chegar a algo mais profundo. Eva, obcecada pelo apocalipse, arrasta os pais de origem coreana e o namorado, um típico estadunidense, para um acampamento de caça.
O que começa como tentativa de conexão rapidamente se torna um show de ressentimentos e disputas veladas. O choque cultural não é apenas entre tradições orientais e ocidentais, mas entre formas distintas de viver e sobreviver. Há a paranoia de Eva, a rigidez de pais que carregam suas próprias expectativas, e a presença deslocada de um parceiro que tenta se encaixar onde talvez nunca caiba. Wang constrói esse convívio forçado como terreno instável, mas o reveste com um humor afiado, que faz rir enquanto cutuca pontos doloridos.
As piadas dão fôlego à narrativa, quebrando e, ao mesmo tempo, realçando a tensão. As reações exageradas, os silêncios desconfortáveis e os mal-entendidos culturais se acumulam até que a caçada surpreende. O curta cresce em estranheza e ironia, sem perder o ritmo cômico, e reforça que, mesmo diante da ideia de um colapso global, é no círculo mais próximo que os instintos mais extremos se revelam.
A Family Guide to Hunting transforma um cenário isolado em espelho distorcido de família, identidade e sobrevivência. E quando o sangue finalmente entra em cena, o apocalipse dá espaço ao que já estava acabando muito antes dele. No entanto, sob o riso, o choque e a brutalidade, permanece um instinto de pertencimento, um senso de proteção que, mesmo atravessado por conflitos, reafirma a ligação entre aqueles que compartilham o mesmo abrigo.
Um grande momento
O pai e o telefone