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Bela Vingança

(Promising Young Woman, GBR, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Emerald Fennell
  • Roteiro: Emerald Fennell
  • Elenco: Carey Mulligan, Alison Brie, Ray Nicholson, Sam Richardson, Timothy E. Goodwin, Clancy Brown, Jennifer Coolidge, Laverne Cox, Alli Hart, Loren Paul, Scott Aschenbrenner, Bo Burnham, Christopher Mintz-Plasse
  • Duração: 113 minutos

James Brown já cantava: “It’s a man’s world, it’s a man’s world…”

Como uma garota vai lutar contra essa máxima? Ela pacientemente espera, como uma aranha tramando sua teia, até o tempo passar e tornar-se uma mulher. Risca traços no caderno como um condenado à pena de morte faria nas paredes da cela na prisão. Ela vive à espera de seu ato final.

Ela é Cassie (Carey Mulligan), uma jovem que poderia ser a garota dos sonhos de qualquer homem se quisesse. Tão promissora, super correspondendo ao padrão, o que ela quer de verdade é vingar Nina. E o que Emerald Fennel aparenta querer preencher com Bela Vingança é um vácuo em se tratando de filmes de gênero que subvertem a lógica da representação feminina arraigada à dor e a submissão. De certa forma uma resposta aos rape revenge movies (e mesmo a outros filmes que não tem essa nomenclatura mas que são torturantes como Dogville) essa estreia da atriz, dramaturga e cineasta inglesa é uma sátira sobre o apagar das luzes da era #Metoo e #TimesUp.

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Bela Vingança

Existe punição para os homens maus?

Com uma paleta de cores pastéis e trilha pop cantarolável com muitas versões de hits do passado, Bela Vingança prepara o terreno para ser sorvido como um chick flick quando na verdade há pouca doçura envolvida. Cassie é linda, loira, de dia atrai olhares de homens padrão como o médico dos tempos da faculdade, quando de noite se disfarça e é atraída para a casa de homens aleatórios, pelo simples fato de estar aparentemente embriagada. Emerald brinca com o grande trauma (será?) masculino de sexo não consentido e assédio. E ainda com o tropo da mulher sexy e louca, meio que imortalizada por Glenn Close em Atração Fatal.

Carey Mulligan tem em Bela Vingança uma oportunidade atualmente rara de mostrar suas nuances dramáticas (algo que não se via desde a dobradinha Mudbound/Vida Selvagem) e a agarra com força, tornando Cassie um tipo interessante, uma mulher adoecida pelo trauma sofrido e que não se priva de fazer justiça perante os constantes revezes que a vive provocados por homens. Inclusive o ato final do filme, para alguns previsível e risível, seria uma forma dela justificar suas atitudes e ao mesmo tempo uma declaração, uma posição demarcada perante um mundo cruel, feito sob medida para os homens desfrutarem sem arcar com as consequências dos seus pecados.

Bela Vingança

É também para a cineasta britânica um desafio vencido. Recém parida, rodou e finalizou o filme a tempos de estrear em Sundance no ano passado. Emerald, que vem afiando sua verve irônica em experiências anteriores na indústria, especialmente como roteirista é grande amiga de Phoebe Waller Bridge, a substituindo como showrunner da série de suspense Killing Eve: Dupla Obsessão, totalmente sobre a ótica feminista ao confrontar uma especialista do MI6 é uma psicopata. Também escritora de livros infantis, pode ser vista mais recentemente como Camilla Parker Bowles nas últimas temporadas de The Crown na Netflix.

Não chegando a ser um pecado a falta de sutileza – que sobra em obras outras com recorte bem próximo, como a série I May Destroy You de Micaela Coel – do filme ao abordar certas situações limite experienciadas por Cassie ou mesmo a previsibilidade da progressão do relacionamento entre ele e o médico bom moço, Bela Vingança provoca e coloca para pensar se o burburinho envolvendo as denúncias de assédio em Hollywood e a luta por equidade na indústria realmente criaram ranhuras no status quo.

Bela Vingança

Produzido por Margot Robbie (estrela cada vez mais consciente do seu papel de catalisadora de outros talentos femininos na indústria) Bela Vingança é, não sem méritos artísticos, a carta de apresentação que torna Emerald um nome quente em Hollywood, a primeira inglesa indicada ao Oscar na categoria melhor direção – e ainda com mais quatro indicações pro filme na premiação, ela certamente estará com vários projetos a caminho.

Um grande momento
Velhas amigas bebendo

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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