Crítica | CinemaDestaque

Bons Companheiros

Ao Jackie, com carinho

(龙马精神, CHI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Larry Yang
  • Roteiro: Larry Yang
  • Elenco: Jackie Chan, Haocun Liu, Kevin Guo, Yueting Lang, Andy On, Jing Wu
  • Duração: 123 minutos

Não é difícil realizar um filme de caráter popular, acessível ao grande público, sem promover desacerto cinematográfico ou provocar coletivas vergonhas alheias com o resultado apresentado. Bons Companheiros não é só o reencontro das salas brasileiras com o astro Jackie Chan depois de anos em ausência, mas um encontro do público com um cinema saudável, que não abre mão dos seus predicados para entregar algo menor. Acertado com o gosto de boa parte de seu público, a resposta ao filme é conferida na sessão de imprensa, que acessou tudo ao que o filme impulsiona. Não há nada inédito aqui, estamos falando de um cinema de conforto, de uma experiência coletiva que os Trapalhões produziam e que faz falta na programação como um todo. Essa zona de compreensão coletiva que é movida por um filme como esse, não se consegue ser lida com uma lupa crítica comum, mas sim inserindo o olhar para contatar uma outra fase da vida.

Essa sempre foi a função de Chan, unir públicos distintos em torno de uma relação reconfortante. Indo dos avós aos netos, o astro oriental renova gerações de admiradores, e Bons Companheiros chega em um momento onde a cinefilia acaba de redescobrir títulos como O Mestre Invencível e Quem Sou Eu?. Ainda que essa nova produção pareça preocupar-se exclusivamente com a comédia, isso não passa de uma impressão. O filme tem sim ação bem calibrada, e um olhar sobre o ator e seu legado, pela forma como constrói sua narrativa familiar. Esse também é um jeito sincero de conjecturar o que está acontecendo fora da tela, que é esse encontro de uma das maiores estrelas de seu gênero com sua História, e com o que representa dentro e fora das telas.

A novidade de Bons Companheiros é a emoção. Não que seja a primeira vez que Chan acessa esse lugar, mas é inédito que o investimento nessa ideia seja tão franco, e reiterativo. Estaria a estrela com o maior número de fraturas pelo corpo observando o passar do tempo com melancolia, ou apenas aceitando que uma homenagem em vida pode ser recebida e curtida? A relação paternal que o personagem desempenha é dupla aqui: existe a sua filha de sangue que foi abandonada pela profissão (ecos do recente A Mula, de Clint Eastwood?), e existe o filho Cinema, com tudo que esse lugar representa. Desempenhando esse papel metafórico, temos um cavalo aprendiz de dublê; o ator interpreta aqui um profissional que não gostaria de ter se aposentado. É como se os louros fossem destinados a Chan, mas distribuídos de volta para quem o colocou nesse lugar.

Apoie o Cenas

É nesse lugar emocional que, antes de percebermos, o filme já nos levou. Com inteligência, Bons Companheiros parte para costurar suas muitas ambições sem esquecer do acabamento. Há uma conversa que se desenvolve entre o aplauso para seu protagonista, o lugar de retorno que ele representa, o drama familiar, a comédia rasgada no melhor estilo circense, e a dedicação à classe representada pelos dublês. Não existem pontas soltas no que poderia ser um emaranhado de afirmações e desejos, mas sua estrutura é apresentada com esmero. Se o resultado não funciona 100% do tempo, é porque existe o viés subjetivo, e porque os excessos nunca são positivos, em qualquer área. No entanto, através desse amontoado é que exalam o frescor de um homem ainda preparado para muitas. 

Dirigido por Larry Yang, não estamos diante apenas de um filme para os saudosos de Arrebentando em Nova York, mas para qualquer um que queira minimamente se divertir sem pensar no amanhã. Entretenimento puro recheado de bons sentimentos, Bons Companheiros não é um filme que mudará a vida do espectador, mas poderia vir a ser um filme a mostrar como o cinema é múltiplo. São tantos lados e possibilidades, são tantas chances de comunicação com um grupo de pessoas que se retraiu, que não foi fácil escolher um – todos os botões foram então apertados. Com a sagacidade em dia, Chan ainda nos brinda com um “melhores momentos” de sua carreira capaz de levar ao pranto todos os fãs. É um choro de agradecimento por tanta diversão.

De quebra, Bons Companheiros ainda é um grito de alerta pró-artesanato cinematográfico. Vivendo o tempo do CGI indiscriminado, Chan para seu filme novo para proteger o trabalho de outrora, que parece substituído a cada novo lançamento. A cena onde reclama da utilização do fundo verde é uma prova de que ainda exista quem defenda um cinema mais palpável e menos frio. Não se esperava diferente do homem que viveu às custas de seu próprio esforço, e criou uma marca lendária que não pode ser esquecida ou abandonada. 

Um grande momento

A luta no set

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo