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Dezesseis Facadas

Reflexos do passado

(Totally Killer, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror, Comédia
  • Direção: Nahnatchka Khan
  • Roteiro: David Matalon, Sasha Perl-Raver, Jen D'Angelo
  • Elenco: Kiernan Shipka, Olivia Holt, Charlie Gillespie, Lochlyn Munro, Julie Bowen, Liana Liberato, Troy Leigh-Anne Johnson, Kelcey Mawema, Jonathan Potts
  • Duração: 101 minutos

Sim, já vimos algumas dezenas de vezes variações de situações no cinema que remetem a Dezesseis Facadas, estreia de sucesso do Prime Video propícia ao Halloween. Até que enfim superaram a ‘narrativa Feitiço do Tempo’, onde constantemente estávamos presos. Agora, voltamos até a ‘narrativa De Volta para o Futuro’, e a protagonista do filme voltar 35 anos na história para tentar impedir que um serial killer faça suas vítimas, que nada mais são do que os amigos de adolescência de seus pais. Ainda que nunca falte charme a esses títulos, muitas vezes falta novidade e frescor; aqui, temos um bom humor insuspeito a uma produção que até é modesta, mas que teria condições de render alguns capítulos de cinessérie. 

Essa é a segunda incursão de Nahnatchka Khan na direção, depois do bem sucedido Meu Eterno Talvez. Ainda que não seja responsável pelo roteiro do filme, a produção está repleta de ideias boas que não são desperdiçadas, e que não estão necessariamente no mote da premissa. São seis mãos que contribuem para os comentários gerais da obra, que colocam em paralelismo duas gerações diferentes, a comentar tantas coisas que o passado levou, mas cuja responsabilidade social ainda precisamos lidar. Jamie é uma adolescente típica de 2023, que tem consciência de seu papel no mundo onde vive, e é uma figura consciente de seus privilégios. Não demora para Dezesseis Facadas colocar sua protagonista a comentar um outro tempo, de maneira irônica. 

É uma ideia esperta, e ao mesmo tempo muito ciente das perspectivas que o ser humano hoje encara. Tudo o que é considerado politicamente incorreto hoje, e que no passado era normatizado, a protagonista comentará, sem transformar Dezesseis Facadas em um saco de rabugice. São situações muito óbvias, ‘bullyings’ não-intencionais (ou absolutamente cheios de intenção), comentários sobre um tempo que está separado de nós por décadas, e que nos mostra como as coisas mudaram, e não apenas no contexto coletivo. Apesar de ser originalmente um filme de terror até dedicado ao seu ‘slasher’, a comédia está presente o tempo todo, no lugar onde essa viagem temporal ocorre e nessas intervenções que um tempo precisa fazer no outro. 

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Kiernan Shipka (de O Silêncio e que está em cartaz como protagonista de Uma Família Extraordinária) é a responsável por esses momentos sutis, onde ela somente observa algo de errado implícito – como o comprimento dos uniformes escolares, as regras de etiqueta sociais de hoje, e tantas outras coisas. Seu olhar preocupado vai se deixando levar por uma impaciência muito acertada para a idade (“eu devia deixar vocês todos morrerem”) e que a atriz conduz com muita propriedade. Podemos dizer que é sua postura que conquista pontos à produção, pois transforma o que poderia ser um tratado panfletário em algo muitas vezes hilário, e que se comunica com tantas pessoas. Ou seja, Dezesseis Facadas também comenta as qualidades e defeitos de duas épocas com diversão ininterrupta. 

Como não poderia deixar de ser, o filme também se preocupa com seus personagens, e eu acho isso muito é bom. A cinefilia jovem, muito da chata, crê que está faltando aos filmes de gênero ser apenas sobre os eventos e não também sobre os traumas que os mesmos causam. Bom, para quem acha que a narrativa de um filme não deva reverberar no interior dos seus personagens, que jogue videogame; tô muito feliz em ver que as pessoas não são esquecidas no meio das cenas, que nos importamos com o que acontecerá com seus pares. Quando eu não me importo com os personagens, eu geralmente também não me importo com os filmes. Jamie e sua mãe precisam vencer seus conflitos de gerações, nem que para isso precisam conviver um tempo na mesma geração para entender uma à outra. 

Como já tínhamos visto em Bela Vingança, Dezesseis Facadas também é sobre um tempo de consequências, e como projetamos nossos futuros. Devemos pagar pelos nossos erros de juventude por quantas gerações? Esse debate foi apresentado no longa de Emerald Fennell e volta a dar as caras aqui; todos tem esqueletos no armário, resta saber como lidamos com a vida no hoje, porque o passado, se foi infeliz, ao menos já passou. Vale sim tornarmo-nos pessoas melhores, com atitudes melhores, e tentar limpar das cabeças do presente as atitudes que identificamos como horrendas do nosso passado. Ah, e como é bom vermos um filme que tem coragem de sim, mudar o rumo das coisas; vamos mudar, de rosto, de nome, de tudo. 

Um grande momento

Todos contra o mascarado

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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