Crítica | Cinema

Barbie

Filme de vender boneca, sim

(Barbie, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Greta Gerwig
  • Roteiro: Greta Gerwig, Noah Baumbach
  • Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Kate McKinnon, Issa Rae, Rhea Perlman, Will Ferrell, Michael Cera, Ariana Greenblatt, Ana Cruz Kayne, Emma Mackey, Hari Nef, Alexandra Shipp, Kingsley Ben-Adir, Simu Liu, Ncuti Gatwa, Scott Evans, Jamie Demetriou, Connor Swindells, Sharon Rooney, Nicola Coughlan, Ritu Arya, Dua Lipa, Helen Mirren
  • Duração: 114 minutos

Há uma história por trás da boneca Barbie. Ela foi criada no fim dos anos 1950 por uma família que queria dar tridimensionalidade às bonequinhas de papel que trocavam de roupa, e possibilitar às meninas brincar não apenas com reproduções de bebês. Conta-se que, à época, Ruth Handler, então CEO desta empresa familiar chamada Mattel (junção do nome de seu marido, Elliot, e do sócio, Matt), se inspirou ao ver que sua filha e as amigas estavam brincando de ser empresárias, milionárias e não mães e donas de casa. E, sim, essa é a grande revolução de Barbie, fazer com que o brinquedo deixasse de ser um objeto limitante do papel da criança, mas passasse a ser uma representação da própria criança em seus jogos de imaginação. Inclusive, e não por acaso, é a referência divertida ao clássico de Kubrick, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, que Greta Gerwig coloca na abertura do filme para mostrar o início de uma nova era.

Pensando em retrospecto, enquanto a domesticicidade ainda era idealizada e o feminismo dava seus primeiros passos, o lançamento comercial da Barbie marca a sua geração. Com o tempo, a boneca ganha novos modelos, profissões e um namorado, o Ken. Não necessariamente nessa ordem. Porém, por muito tempo, seu corpo, idealizado como um manequim, é magro e curvilíneo, sua pele branca e a modelo que se perpetua tem longos cabelos loiros, ou seja, a representação é extremamente restrita e o padrão de beleza, quase inatingível. Se ela mostra que as mulheres podem ser o que quiserem, não apenas donas de casa, talvez seja só um grupo muito específico de mulheres. Isso sem falar que nem todas podiam ter uma Barbie para chamar de sua.

Barbie
Warner Bros.

Sem deixar de ser divertido nem por um minuto e muito menos sem fingir que não está ali como um produto, o filme de Gerwig vai procurar essas fissuras. Barbie se passa em dois universos: o do faz de conta, onde as Barbies vivem uma vida cor de rosa e feliz, e a vida real onde tudo é o que é mesmo, e as bonecas são só brinquedos. Tudo começa a se atrapalhar quando a Barbie Estereotipada – a boneca bem padrão loira, magra e perfeita vivida por Margot Robbie – começa a pensar na vida e ter sentimentos melancólicos e celulite. Quando seus calcanhares encostam no chão, ela precisa ir procurar sua dona no mundo real e seu Ken, o também loiro e sarado Ryan Gosling, resolve acompanhá-la.

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Na Barbielândia, as Barbies já passaram pelas transformações que a linha de bonecas também passou recentemente e a Estereotipada é apenas mais uma boneca em meio a uma variedade de outras de cores e formatos de corpos. Issa Rae, Ritu Arya, Hari Nef, Emma MacKay, Sharon Rooney, Dua Lipa e Kate McKinnon estão entre as habitantes do lugar e acreditam piamente serem as responsáveis pela grande revolução feminista no mundo real. Se onde moram tudo é determinado, conduzido e resolvido pelas mulheres, sendo cada Ken um mero detalhe, não há porque no mundo real também não ser assim. Bom, não é.

Barbie
Warner Bros.

A gente está indo bem, mas agora a gente disfarça

A narração em off do início do filme já indicava a ironia que marcaria o tom do filme, e o roteiro da própria Gerwig, em parceria com seu companheiro Noah Baumbach, cumpre o esperado. O questionamento do papel negativo da Barbie no imaginário da mulher, sua influência no ideal feminino e as consequências dessa representação por tanto tempo estereotipada rendem bons momentos, em especial nas interações com a jovem Sasha (Ariana Greenblatt), assim como todas as passagens em que Robbie tenta se entender naquela nova realidade completamente inesperada.

O modo com que o filme retrata não só o absurdo imaginado como perfeito, mas o cinismo do mundo real, ao trazer coisas tão antigas que não mudam nunca, como o comportamento dos homens no canteiro de obras ou na delegacia de polícia, e até mesmo como achincalha a distribuição de poder dentro da própria Mattel, empresa hoje sob comando de Bryan G. Stockton, é preciso. Se há uma coisa que a dupla entende bem e demonstra aqui é que o humor é uma boa arma para expor aquilo que precisa ser destacado. É interessante como o filme ilustra, com ícones como Stallone, Clinton, Reagan e cavalos, o poder do macho e do patriarcado, e como trabalha com isso na contaminação de uma sociedade, passando necessariamente pela masculinidade tóxica e até pela relação abusiva, e em uma possível transformação.

Barbie
Warner Bros.

Entre suas muitas cores e momentos cômicos, mesmo sendo um produto de marketing, o longa mergulha em lugares mais profundos e vai falar de coisas sérias, como a eterna invalidação da mulher, porque quem não é mulher talvez não saiba, mas o discurso de Gloria (America Ferrera), a humana da Barbie Estereotipada, serve para todas, sejam elas quem forem, estejam onde estiverem e ocupem o cargo que ocuparem. Porque longe da Barbielândia, todas precisam sempre provar ser mais do que são. E é importante que muitas meninas vejam isso por aí. Maiorzinhas, é bom lembrar, porque não é um filme para crianças.

Assim, Barbie segue alterando o curso da história, agora entrando na briga com os outros filmes de vender boneco, mas fazendo mais uma vez do seu jeito. É filme de vender boneca, sim, e nem teria como não ser, já que é um filme da Barbie. Mas é uma delícia, e tem muita coisa ali no meio que vai além disso.

Um grande momento
Ser o que é

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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1 Comentário
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Jéssica Portes
Jéssica Portes
20/07/2023 16:04

Depois desse texto, fiquei mais ansiosa ainda pra ver!!!!!!!

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