Crítica | Outras metragens

Bunnyhood

Quebra de confiança

(Bunnyhood, GBR, 2024)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Mansi Maheshwari
  • Roteiro: James Davis, Anna Moore
  • Duração: 9 minutos

Sim, os pais mentem. Na animação Bunnyhood, dirigida por Mansi Maheshwari, Bobby descobre isso de uma maneira terrível: o almoço no restaurante favorito é, na verdade, uma visita ao hospital. Visita, não, a internação para a realização de uma cirurgia. Obviamente, a ideia da mãe era poupar a criança do estresse e da ansiedade, mas a mentira começa um processo de desconstrução de imagem e desconfiança, traduzido de maneira, ao mesmo tempo, perturbadora e bem-humorada pelo curta-metragem.

A perspectiva infantil permite tons mais fantásticos e fantasiosos do que o habitual, transformando em pesadelo e delírio o percurso até a sala de cirurgia. Os médicos viram monstros e o hospital, um ambiente fisicamente ameaçador. O perigo está por toda parte e a ansiedade que domina o ambiente vai influenciar a persona da protagonista a partir de então. A animação em 2D, a mão livre, traz mais personalidade ao desenho, destacando a ingenuidade de Bobby, sua insegurança e até mesmo a crueza da situação.

Em Bunnyhood, o terror real está bem longe da operação. É a quebra de confiança que apavora. A mentira da mãe, mesmo que não seja uma mentira do mal, faz com que Bobby perceba que a verdade pode ser moldada pela conveniência dos adultos. A cirurgia, por mais simples que seja, é tratada como um evento mais grave, e a cicatriz é metafórica.

Há, no filme, uma raiva contida que se transforma em criação. Bunnyhood não tenta apagar a experiência traumática, mas reelaborá-la através da imagem. A distorção das figuras adultas em monstros traduz um sentimento legítimo de traição. Maheshwari tem habilidade em transformar angústia em narrativa visual, criando um trabalho que é simultaneamente íntimo e coletivo, pessoal e universal.

O curta termina com Bobby diferente, e não apenas no sentido físico. A cicatriz é um lembrete do evento, mas também permanecem a dúvida, a incerteza e a ruptura em uma relação que era a mais forte que se tinha até então. E se não podemos confiar plenamente nas pessoas que mais amamos, como seguimos nos relacionando com elas? E com todas as outras? Bunnyhood responde essas perguntas reconhecendo que o medo e a desconfiança fazem parte do crescimento, e que a perda da inocência, por mais dolorosa que seja, pode ser também a origem de uma nova forma de criação.

Um grande momento
A descoberta da mentira

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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