- Gênero: Ação
- Direção: Robin Pront
- Roteiro: Micah Ranum
- Elenco: Nikolaj Coster-Waldau, Caleb Ellsworth-Clark, Josh Cruddas, Annabelle Wallis, Zahn McClarnon, Hero Fiennes Tiffin, Lisa Cromarty
- Duração: 93 minutos
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Durante a pandemia que estamos enfrentando, muitos cinéfilos, afetados pelos números da tragédia, se viram assolados pela ausência de motivação em assistir filmes, e muitos estão ainda estagnados diante do caos que particularmente o nosso país se encontra. Uma fatia grande de público, no entanto, escolheu dedicar-se exclusivamente ao escapismo cultural, e deixar as emoções baratas falarem mais alto, sem reflexões profundas ou elucubrações político-sociais; pra esse grupo nada diminuto, filmes como Caça Mortal, estreia dessa semana do Telecine Play, caem como uma luva, entretendo sem subestimar o espectador, ainda que nada de muito relevante seja apresentado.
O diretor belga Robin Pront está apenas em seu segundo longa, e o primeiro feito longe da terra natal, e já consegue explorar as imagens, a ambiência e o modus operandi de uma comunidade incrustada numa zona florestal longe dos centros urbanos, ou seja, com seus códigos muito particulares, que definem personalidades, decisões, seus próprios costumes, enfim. Parece tudo no lugar graficamente falando, tanto do ponto de vista das criaturas desterradas vagantes em cena, quanto dos valores tradicionais meio perdidos pelo tempo, mas que lá ainda fazem muito sentido. São policiais jovens já emocionalmente exaustos, moradores com perdas irreparáveis, grupos nativos carentes de representação, juventude esvaziada e inconsequente; o mosaico tem construção acertada.
A falta de habilidade do roteirista Micah Ranum, em seu primeiro feito, é o problema principal para que Caça Mortal ultrapasse essa barreira entre o frívolo e o marcante. A narrativa constrói bem seus tipos, seus pontos de partidas, mas não está muito interessado em articular profundamente suas inter relações, a dinâmica entre personagens e seu universo (que deveria ser muito mais rica) e dar vigor aos movimentos que faz, que soam vazios a partir de determinado momento; entendemos os propósitos e as motivações, mas como o filme não as contextualiza, deixando tudo em zona de conjectura, o projeto parece que fica pelo meio do caminho.
Na metade da projeção, por exemplo, há uma bem-vinda reviravolta que parece reconfigurar as personalidades de pelo menos três personagens, e que reverberaria em muitas outras caso o filme se embrenhasse nessa decisão, mas o roteiro só provoca o público. Ainda que o resultado apresentado seja mais natural, falta coragem para radicalizar a proposta de gênero e criar amarras mais guturais ao projeto sem perder sua humanidade; Justiça Brutal acabou de mostrar como isso é possível. Aqui, o arroubo de independência não dura mais do que 15 minutos, ainda que crie no filme uma energia vibrante.
Cria-se, então, uma contradição na produção, entre o projeto que se apresenta, seus elementos unitários, suas intenções verdadeiras de tentativa de incorporar uma vivência local e distanciada em um recorte de gênero que frequentemente dá errado, e o sossego de não elaborar uma reflexão mais plena de enraizamento narrativo, podendo dar ainda mais impacto não apenas às imagens criadas como ao contexto do todo, que seria evidenciado, situação relativamente parecida com a apresentada em À Espreita do Ma’, embora lá ainda caiba um trabalho de construção de planos que o coloque em patamar outro, e por si só isso já o complexifique.
É como se Caça Mortal fosse mais um projeto prestes a ser realizado, com uma bela carta de apresentação e um relevo claro de entorno, mas que pretensões simplistas diminuíssem a potência que seria capaz de atingir. Não cria, ao fim, uma obra pálida ou inconsciente de seu potencial, mas exatamente por observarmos os passos acertados compostos na produção, fica uma certa frustração no ar mediante uma ausência de vulgaridade maior. O filho de Toni Erdmann em cena merecia um filme mais potente.
Um grande momento
Enfrentamento dentro da casa de Rayburn