- Gênero: Drama
- Direção: Phyllis Nagy
- Roteiro: Hayley Schore, Roshan Sethi
- Elenco: Elizabeth Banks, Sigourney Weaver, Chris Messina, Kate Mara, Wunmi Mosaku, Cory Michael Smith, Grace Edwards, John Magaro
- Duração: 121 minutos
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Phyllis Nagy ficou conhecida com sua adaptação do romance Carol, de Patricia Highsmith, para o cinema, trabalho que garantiu, inclusive, sua primeira indicação ao Oscar. Agora em 2022, ela volta à direção mais de 16 anos após o telefilme Mrs. Harris falando de um tema que nunca deixou de ser relevante, mas que agora se mostra uma questão urgente nos Estados Unidos pós-Trump: o direito de as mulheres em relação aos seus próprios corpos. Disque Jane, selecionado para o festival de Sundance 2022 e um dos concorrentes ao urso na Berlinale deste ano, é mais um dos muitos títulos lançados recentemente que relembra um passado de luta, conquistas e aquilo o que não deveria ser esquecido. Algo que demonstra os resultados conservadores após a passagem da extrema direita no poder e suas mudanças, como a nova legislação texana que proibe o aborto após a sexta semana, desconsiderando-se inclusive casos de estupro; e a confirmação da norma pela Suprema Corte.
Ainda que no Brasil o quadro seja ainda mais reacionário e, até então, tenhamos estado vários passos atrás quando se trata do assunto — afinal de contas, vivemos num pais de TFP, Damares, Bolsonaro e afins –, e certos avanços jamais tenham ocorrido, a identificação não é difícil, pois direitos serem perdidos é sempre algo muito triste. Ainda mais quando são diretos que vigoram em todo um país desde os anos 1970, que foram tão duramente reconhecidos e começam agora a ser desconsiderados, alcançando limites do impensável, como o fato de menosprezar a agressão e a violência que causaram a gravidez. É, sem dúvida um momento de parar, olhar para trás e refletir sobre todo o avanço, ver o que mudou, como as coisas eram antes e como os direitos foram conquistados.
Disque Jane tem esse papel, assim como o drama Happening e o documentário The Janes, ambos na seleção do festival deste ano. Este último, no mesmo universo retratado Nagy, já que ambos nos trazem as Janes, que nos anos 1960 formaram uma rede de apoio para ajudar mulheres que pretendiam interromper a gravidez, com conselhos, contatos, transporte e até acompanhamento durante os procedimentos. Com roteiro de Hayley Schore e Roshan Sethi, o filme busca o indivíduo para encontrar o geral e escolhe a alienada Joy como aquela que conduzirá sua história. Mesmto tendo uma necessidade óbvia e incontestável para a interrupção da gravidez, ela precisa buscar ajuda clandestina e é assim que conhece o grupo de mulheres com o qual acaba se identificando.
Embora tenha uma temática interessante e trate de um assunto fundamental com equilíbrio e interesse, a ousadia não é algo que se destaque na direção de Nagy. Está tudo no lugar certo, as coisas fluem bem, e há dedicação de todas as envolvidas, em especial das atrizes Elizabeth Banks, Sigourney Weaver e Kate Mara. Há inclusive bastante sensibilidade em tratar vários temas, como a questão da maternidade, mas não existe nada que provoque todo o envolvimento emocional que o filme intenta. A imprecisão, que por vezes chega abafada pela importância do que mostra, muitas outras está escancarada, trazendo junto com ela um certo cansaço e desinteresse.
Evidente nas escolhas da diretora, o que se vê na tela demonstra que a vontade de mostrar coisas demais a partir de certo ponto ou talvez a falta de mais rigor de Peter McNulty na montagem causam esse inchaço pouco funcional, embora entre os muitos eventos haja coisas interessantes. Algumas opções de mis-en-scène também soam antiquadas, e nada que tenha a ver com a ambientação ou a vontade de representar uma determinada época. Pontualmente estranhas, elas chegam com iluminação moderna e uma aura de seriado dos anos 1980, numa desconjunção estranha que atrapalha a atenção em momentos importantes da trama. São deslizes que não apagam, lógico, todo o cuidadoso desenho de produção, assim como o trabalho com os figurinos, maquiagem e cabelos, que recriam a Chicago daqueles tempos.
Porém, além da técnica há outros incômodos difíceis de superar. Se Nagy acerta ao traçar o papel da mulher naquela sociedade, destacando pontos aqui e ali, como na reunião dos médicos na presença de Joy, o distanciamento na descoberta da menstruação da filha, ou no segurar de uma maca por não ter uma mão ao lado, falta muita representatividade ou preocupação com isso. Assim como hoje, aqui, lá ou em qualquer lugar, a maior parte da população prejudicada pela impossibilidade dos abortos legalizados é subrepresentada no filme, que, aliás, parece preso a uma determinada etnia e classe social. Há falas sobre, há uma imagem, há um projeto, e é isso que se verá em tela.
Mas mesmo com todas as suas falhas, grandes ou pequenas, mesmo que não consiga encontrar a emoção que busca tão veementemente, Disque Jane chega onde quer quando expõe o ponto que precisa, quando mostra aquilo que as pessoas simplesmente querem fingir que não existe, quando retrata a sua maneira a relação com o corpo da mulher, e quando mostra um lugar de onde se saiu e não é possível que se queira voltar.
Um grande momento
Os médicos decidindo