Crítica | Streaming e VoD

Caramelo

O ponto da doçura

(Caramelo , BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Diego Freitas
  • Roteiro: Diego Freitas, Rod Azevedo, Carolina Castro
  • Elenco: Rafael Vitti, Amendoim, Arianne Botelho, Kelzy Ecard, Noemia Oliveira, Carolina Ferraz, Ademara, Bruno Vinicius, Cristina Pereira, Roger Gobeth, Olivia Araujo, Paola Carosella
  • Duração: 96 minutos

Diego Freitas tem construído sua carreira de maneira bastante curiosa. Após a promissora estreia em longas com O Segredo de Davi, ele emendou três títulos para a Netflix, e agora com o terceiro deles, tem não apenas um sucesso (porque Depois do Universo e O Lado Bom de ser Traída já tinham sido), mas um hit global: é o que Caramelo é. Entre os seus cinco longas já lançados, nenhum parece com o outro nem minimamente: um suspense, um romance teen, um thriller erótico, um drama universal com um quatro patas de protagonista, e uma comédia de golpes – o meu preferido, Tire 5 Cartas. Isso configura um caráter particular ao cineasta, que parece buscar algo ainda não encontrado em sua assinatura, que passeia tanto por lugares bem distintos. 

Seu novo filme é, entre os cinco, o que mais terá comunicação com o espectador, por motivos bastante óbvios. Trata-se de um filme que já vimos muitas vezes, há muitas décadas; de Lassie a Marley & Eu, passando por tantos Beethoven, A Incrível Jornada e até filmes espíritas (Quatro Vidas de um Cachorro), os melhores amigos do homem tem liberdade nas telonas e incontáveis sucessos nas costas. Mas o vira-lata caramelo é uma raça unicamente brasileira, e o projeto como um todo, é, ao mesmo tempo, uma grande encomenda manufaturada, e também um daqueles títulos que dificilmente sairão da memória do espectador, ainda que por motivos extra-fílmicos. O que arremata de qualidade o que vemos, portanto, não é uma narrativa original, mas o toque de novidade que exatamente uma produção brasileira sobre exatamente essa raça canina poderia oferecer. 

Ainda assim, Freitas povoa Caramelo de carisma e um olhar doce a partir de uma história que vai além do companheirismo esperado em título assim, mas de uma cumplicidade que nasce do próprio encontro entre os personagens do filme, e não apenas seus protagonistas. Existe sim uma celebração da união de ideias, de uma assertividade em torno do bem que pode ser feito coletivamente, e que entremeia a história do encontro entre Pedro e Caramelo, a partir de um conflito que gera a realização de um sonho dividido. Pedro precisa realizar seus sonhos, Caramelo precisa (ainda que sem saber) de alguém para dividir os sonhos… e a rotina de um dia a dia que ele fará de tudo para colocar de pernas pro ar. Ao redor deles, cresce uma corrente de afeto que ultrapassa a própria espinha dorsal, para se tornar sim o motivador da produção. 

A experiência de Freitas, hoje, mostra que uma bela mão de obra vem sendo construída pelo diretor, que entrega exatamente o que pedem a ele sem deixar de lado uma construção estética sempre com selo de qualidade. A fotografia de Kaue Zilli (frequente colaborador do cineasta e que também já assinou, entre outros, O Diabo Mora Aqui) mostra uma atmosfera de constância solar para onde o filme não deixa de apontar seus fins. É através de uma cor muito pessoal empregada em cada detalhe de Caramelo que percebemos a verdade do que é visto, e não um ambiente de falsidade artística que prenderia o título a características que filmes produzidos pela Netflix costumam ter. Aqui, a sensação é de que o diretor começa a conseguir uma autonomia em relação ao streaming para configurar um modelo de universo particular daquela jornada, e não um modelo recorrente onde os cenários e os planos parecem enquadrados. 

Ao contrário de grande parte das produções da Netflix, Caramelo transparece verossimilhança, mesmo que tenhamos consciência que trata-se de um produto. O mérito é de Freitas, que consegue transpor o que poderia transformar-se em algo artificial, em um registro sincero a respeito do companheirismo que nasce entre homens e animais. Além de toda a carga afetuosa que cada passagem e situação imprimem na tela, é com esse fio narrativo que todos os elementos se unem, e a situação não só não surge esgarçada, como o envolvimento do espectador com tais gatilhos carregam algo de genuíno. Da conexão entre tantos registros de carisma coletivos, salta da tela o que exercem Rafael Vitti e seu partner de cena, codinome Amendoim. 

A partir do que ambos entregam, de palpável sem derramar pieguice, outros atores podem mostrar suas possibilidades, e apesar de todos aproveitarem suas deixas, Bruno Vinícius e a grande Kelzy Ecard. Ele é o ponto esperado da produção, que mostra ao protagonista o sabor com o qual precisamos usufruir a vida, apesar dos muitos pesares; Vinicius carrega leveza e sutileza a um lugar bastante inglório. Ela é a mãe do protagonista, e entrega com o pé nas costas todas as características esperadas para uma mãe, nas mais diferentes versões necessárias. São duas performances sutis e suaves como todo Caramelo, o que não significa que as lágrimas não rolarão, mas isso ocorre sem a pressão imaginada para algo desse calibre. Mais uma prova do potencial alcançado. 

Um grande momento
Caramelo na cozinha do restaurante 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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