Crítica | Catálogo

Cazuza: Boas Novas

Mas quem tem coragem e ouvir

(Cazuza: Boas Novas, BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Nilo Romero, Roberto Moret
  • Roteiro: Nilo Romero
  • Duração: 91 minutos

“Brasil, mostra a tua cara”. O verso inesquecível da marcante e atual música de Cazuza pode ser ouvido diariamente na abertura da novela das 21h da Globo, Vale Tudo, na voz de Gal Costa. Sua avassaladora paixão e duradoura amizade por Ney Matogrosso também estiveram presentes recentemente no filme Homem com H, hoje disponível na Netflix. Agora, Agenor de Miranda Araújo Neto, ou Caju, tem um documentário seu. Cazuza: Boas Novas estreia nesta quinta-feira nos cinemas. Dirigido por Nilo Romero e Roberto Moret, o filme relembra os últimos anos do cantor e compositor, quando já estava diagnosticado com AIDS e gravava seus últimos três álbuns.

Mesclando imagens de arquivo pessoais e entrevistas da época a depoimentos de pessoas íntimas do cantor, como Frejat, o próprio Ney e sua mãe, Lucinha Araújo, o longa faz um retrato do artista que marcou uma geração, trazendo sua sensibilidade, seu carinho, mas sem deixar de expor o temperamento difícil. O posicionamento diante de uma sociedade “careta e covarde” e, em especial, sua relação com a doença, como não poderia deixar de ser, estão muito presentes. Cazuza é sinônimo de contestação, de ousadia e sua música, em especial aquela composta após sua saída do Barão Vermelho, deixa evidente o seu posicionamento frente ao Brasil da falta de expectativa.

O poeta não morreu
Foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden
E nos contou…

Talvez por opção, o documentário não queria investigar essa transmutação do letrista e prefira observar sua interação com um mundo que o observa em seus últimos momentos de vida. Frejat e Dulce Quental já tinham dito que sua luta era quixotesca e faltaria coragem para ouvir. Estranho é que um filme de um de seus melhores amigos, depois de 35 anos, ainda fale da mesma coisa do mesmo jeito. Nilo Romero, baixista do cantor por décadas, também assina o filme e é o responsável por, literalmente, guiar as entrevistas. A apresentação de Cazuza é rápida e volátil diante do tempo gasto com tudo que ele passa por conta da saúde e do preconceito com a doença.

O tratamento da imprensa é destacado pelo filme, em especial a patética capa da revista Veja em abril de 1989. A abordagem, porém, acaba não sendo muito diferente da de Cazuza: Boas Novas, que destaca, de certo modo, o estágio terminal. “A gente tinha uma UTI móvel fora do estúdio”, “ele gravava as músicas deitado”, “era essa pessoa que ia receber o prêmio de cadeira de rodas”, “vou negar isso para um cara que está nessas condições?”. É tudo muito contraditório. E há ainda o fator Nilo. Sempre em cena, mais do que ser uma pessoa que também espera o desfecho trágico, ele chega ao ponto de roubar o protagonismo em alguns momentos, seja quando assume a voz do documentado ou relata o momento de abandono.

Porém, é claro que ali está Cazuza e, com ele, suas músicas. Músicas essas que embalaram gerações e continuam fazendo sentido até os dias de hoje. Mesmo que as imagens de arquivo tenham uma qualidade duvidosa, é bom vê-lo de novo, às vezes em situações bem informais. E é bom ouvi-lo cantar, tanto sucessos conhecidos quanto canções que não ouvimos tanto assim. Contrariando aquela desprezível Veja, assim como Noel, ele ficou para sempre.

Um grande momento
Entrevista com Ney sobre o show

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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