- Gênero: Ficção
- Direção: Tomás von der Osten
- Roteiro: Tomás von der Osten
- Elenco: Santos Chagas, Ma Ry, Patrícia Saravy, Matheus Moura
- Duração: 20 minutos
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A espreita da morte, a acontecida, a possível, a acidental, a fantasmagórica, a metafórica. A morte do passado, a morte dos sentidos, a morte das relações humanas, a morte do afeto. Chão de Rua, o novo filme de Tomás Van der Osten (de Vó Maria), volta a radiografar a tentativa de criar vínculos dos seres com suas histórias, por mais dolorosas que elas sejam. Partir de uma escolhida impossibilidade para descortinar o único futuro viável, e a partir daí a tentativa de reconstruir laços a partir de escombros.
Desde seu filme de 2010 já citado, Tomás caminha a investigar a relação intrínseca entre as pessoas e suas perdas emocionais, sem que necessariamente essas mesmas pareçam um fardo para carregar – na superfície. Se em Vó Maria, a relação das netas com uma avó de retrato mostra o tempo se afastando das relações, tão gradativamente as gerações avancem, em Chão de Rua uma mãe fora de quadro tem sua presença exigida pela narrativa, clama por um tempo que lhe foi negado.
Mais uma vez, diferentes gerações afastam seus protagonistas, e o abismo geracional não apenas desabilita a comunicação entre eles, como os coloca em formas diversas de lidar com a perda. Valéria está na flor da idade e já se vê à deriva; Alberto, seu irmão mais velho, não se percebe aos pedaços. Chão de Rua flagra um encontro entre eles, como a ebulição encontrando uma geleira prestes a ruir.
Do choque entre esses perdedores de mesmo laço embrionário, o filme se transborda de perda a cada nova camada, nem sempre explícitas e/ou verbalizadas diretamente. As cicatrizes de Alberto são internas e só se cristalizam quando abre contato com o outro; as de Valéria são expostas como ela, representam seu clamor por ajuda, que ela o faz literalmente. O elo que os une está prestes a romper, assim como os seus próprios com o mundo vivente.
Conceitualmente impecável, Tomás move seus personagens por um mundo lúgubre prestes a ser destrinchado pelo silêncio, pela noite e pela escuridão. Com impressionantes trabalhos de fotografia e montagem (respectivamente Eduardo Azevedo e Pedro Giongo), a regência dessa sinfonia sobre o medo visita inúmeras paragens típicas do surgimento desse sentimento com um tratamento imagético que impressiona do início, se movendo paralelo a narrativa.
Se a tragédia de Valéria está impressa no que ela não consegue viver, nas chances que lhes foram roubadas, as de Alberto estão no que ele não conseguiu manter, hoje jaz apenas a lembrança em vermelho. Ainda que suas culpas particulares não sejam expostas nem julgadas, Chão de Rua tenta aproximar dois universos em estágios únicos de desintegração, e que talvez sejam recuperados pelo avesso da morte – a vida.
Um grande momento
Relato sobre uma cicatriz