- Gênero: Drama
- Direção: Lukas Dhont
- Roteiro: Lukas Dhont, Angelo Tijssens
- Elenco: Eden Dembrine, Gustav De Waele, Emilie Duquenne, Léa Drucker, Kevin Janssens, Léon Bataille
- Duração: 101 minutos
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A cena que abre Close é paradigmática do que o espectador irá acompanhar pela próxima hora e quarenta, em seu desabrochar. Léo e Rémi estão escondidos em um subterrâneo que desemboca em uma floresta, cuja penumbra e sombras os compõem. De repente em disparada, os amigos saem velozes pelo meio de um campo de cravos pertencente à família do primeiro, em um verdadeiro banho de luminosidade. É nessa dicotomia que corre livre o novo filme de Lukas Dhont, vencedor do Grande Prêmio do Júri do último Festival de Cannes, ou seja, uma espécie de segundo lugar. Ao escolher andar por duas vertentes paralelas, cinza e luz, o diretor opta pela segurança narrativa, que vai se permitindo descobrir suas ranhuras.
Dhont, de apenas 31 anos, saiu de Cannes 2018 com um punhado de merecidos prêmios por Girl, uma inquietante procura pela assertiva identidade de gênero na chegada da adolescência. Na ocasião, o ainda mais jovem cineasta apostou na melancolia irrestrita para sublinhar seu longa, em registro que buscava a empatia por uma protagonista em constante mutilação, principalmente psicológica. Esse recorte estético cabia naquela narrativa, que acompanhava um período diferente da vida de sua personagem central. Ao virar sua lente para uma dupla pelo menos 4 anos mais jovens, Dhont decide não apoiar uma específica saída para seu roteiro; abraça alguns lados e se propõe, com muita qualidade, a abranger muitas hipóteses futuras a respeito de uma personalidade em nascimento.
A ideia em Close é não se fechar a uma única análise, taí o filme se preste a colorir sua narrativa de possibilidades. Ao olhar para a amizade de Léo e Rémi, o que se vê, além da supracitada? Duas crianças muito unidas, que cresceram juntas e moram próximas, e que experimentam uma liberdade emocional rara. Dois meninos muito jovens, porque deveriam ser quaisquer coisas que não crianças? Mas a sociedade os força a racionalizar o que não deveria ser racionalizado; a lógica é o amor, nada além. Quando o seu entorno passa a pensar por eles, a realidade entra em cena, e eles se deturpam – a si e a sua relação. Com profunda delicadeza, o que vemos ao longo da primeira parte é um imenso ruir, um vidro que se quebra até não mostrar mais nada, além de cacos.
A segunda parte se abre com o impacto de uma ruptura, que será deglutida paulatinamente, no ritmo infantil, como se deve ser. Uma explosão e uma implosão, um respiro e um suspiro, pra dentro e pra fora, aos poucos vemos os fragmentos expostos. Close é sobre um mundo confortável que se desintegra quando há uma força vinda do exterior, e nesse sentido o filme é essencialmente um ato político: forças da natureza não se controlam. Dhont filma a inocência diante da perda e a posterior culpa, como uma passagem obrigatória da vida, do qual não podemos surgir. A perda da maneira mais ampla possível; o fim de um amor, o desaparecimento de uma amizade, a morte inescapável, o fim de um ciclo. Compreendendo a adolescência como um período onde nos despedimos de vários processos particulares, o diretor tira a perda do nosso pensamento e a coloca em ação.
Podemos nos ater a uma busca comportada na produção de planos, ou de uma certa obviedade na hora de conduzir suas imagens, mas o cinema clássico-narrativo não é um cartão de visitas obrigatório ao desafio, muito pelo contrário. O que Dhont não pretende é filmar o bissexto por excelência, a exceção do quadro. Não, seu mantra particular é pela ressignificação do espaço físico já conhecido e já tratado, com um olhar plural. Close não desdobra sua condução até a única saída possível, e oposta: a experimentação. Em um tempo de aplauso aos excessos, uma produção que escolhe o milimétrico para nos inserir no universo pretendido deveria ser ela mesma encarada como um ponto fora da curva.
Ainda que essa história tenha uma base até banalizada, uma das intenções de Close é resgatar uma humanidade que parece mal aplicada por cineastas como Alejandro Gonzales Iñarritu. Aos poucos, essa ressignificação é bem aplicada pela obra, que traduz em imagens a inquietação de uma cobrança, e do que fazemos com a culpa que nós mesmos incutimos. E ao esbarrar com uma alma alienígena como a de Eden Dambrine, um menino que consegue ainda eletrizar qualquer um com seus olhares, é que devemos ter a ciência a respeito da complexidade do ser humano. Talvez seja essa uma das peças fundamentais, somos multifacetados e nada reféns do tempo, permitindo novas percepções e uma ampla gama de possibilidades, e que venham todos. O tempo vilão também é o tempo generoso.
Um grande momento
O irmão também abraça Léo na cama
Me deixou com ainda mais vontade de assisti-lo! Maravilhosa crítica!